… surgiu uma notícia em todos os jornais onde se afirmava, citando o trabalho de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira (“Salários e Incentivos na Administração Pública em Portugal”) do Banco de Portugal, qualquer coisa como “os salários da administração pública são cerca de 75% superiores aos dos que se praticam no sector privado, tendo o diferencial aumentado 25 pp. de 1999 a 2005”. Os trabalhos que tiram este tipo de conclusões têm sempre boa imprensa. É que, contrariamente aos restantes cidadãos, os funcionários públicos são uns malandros e uns privilegiados e é preciso denunciar isso.
Vamos por partes.
O estudo começa por afirmar que “a Administração Pública […] é a entidade empregadora de cerca de um quinto da mão-de-obra nacional”, não se explicando onde é que isto empiricamente se encontra sustentado. Aparentemente, os autores limitaram-se a dividir os funcionários identificados no Recenseamento Geral da Administração
Pública com um total, que resulta da soma destes funcionários com os trabalhadores por conta de outrem que constam dos Quadros de Pessoal. Como se sabe, um recenseamento (como o Recenseamento Geral da Administração Pública) abrange todo o universo e, portanto, identificaram-se todos os funcionários públicos. Os Quadro de Pessoal incluem só uma parte dos trabalhadores por conta de outrem (entre 50-70%) e excluem todos aqueles que trabalham por conta própria (profissionais liberais, empresários em nome individual, patrões, etc). Isto é, dão conta de uma só parte do universo.
Para se ser rigoroso, como é que essas contas devem ser feitas? Simplesmente, dividindo o número de funcionários identificados, em 2005, no Recenseamento Geral da Administração Pública (737,8 mil) pela população activa (5.544,9 mil)em 2005. Se assim fizermos, verificamos que os funcionários públicos representam 13,3% da população activa, isto é, "cerca de um oitavo". Mas, se quisermos obter dados mais negativos, podemos sempre dividir esse número de funcionários pelo número de empregados em 2005 (5.099,9 mil). Se assim fizemos, verificamos, agora, que os funcionários públicos explicam 14,5% do emprego total, isto é, "cerca de um sétimo".
Bem, quaisquer que sejam as contas, os funcionários públicos representam entre um sétimo a um oitavo do total, conforme nos referimos ao emprego ou à população activa.
Porque é que os autores falam em “cerca de um quinto”? A expressão “cerca”, num "rigoroso" trabalho académico, acaba por revelar todo um programa político. Convém deixar claro que os malandros dos funcionários públicos para além de ganharem mais do que os outros, ainda por cima, são muitos.
Quanto a esta parte, estamos conversados.
(continua)
sábado, janeiro 23, 2010
sábado, janeiro 16, 2010
Os anos 70 “é que botam” (como diz a minha filha)
O “post” que efectuei sobre a música dos anos 80 acabou por dar que pensar. Na minha idade, já posso dizer que o presente que nos foi dado viver é sempre melhor que o passado. Quando vivi esses anos 80, achava aquilo tudo uma chatice e afirmava que gostaria de ter vivido nos anos 60 com aquela idade. Agora vejo os de 60 com reumatismo e verifico como era estúpido.
Mas, os anos 80, em Portugal, foram um pouco diferentes. Foi quando se consolidou definitivamente a democracia, sem qualquer tutela militar, por um lado, e medo do regresso da ditadura, por outro. Extinguiu-se o Conselho da Revolução, elegeu-se o primeiro Presidente da República civil (Mário Soares) e permitiu-se que um Governo Constitucional, pela primeira vez, conclui-se o seu mandato.
Estas mudanças foram acompanhadas não só de uma outra forma de participação cívica e política de quem era mais jovem (muito estavam a votar pela primeira vez) mas também de uma nova estética. As músicas que ilustram o tal “post”, naquela época, tinham que ver, exactamente, com a forma como uma certa juventude universitária via a política, a sociedade e, mesmo, a sexualidade (muitos vinham do “apartheid” sexual nas escolas; meninos para um lado, meninas para o outro). Deste ponto de vista, estas músicas tinham um grande significado; nem todos as ouviam e nem todos gostavam delas. Muitas delas funcionavam, mesmo, como formas de diferenciação e de criação da consciência de “classe”. Convenhamos que o culto do “underground” do Cais do Sodré dava uma certa “patine” de intelectual de esquerda.
Hoje, algumas delas, são clássicos da música “pop” e “rock”, sem essa carga simbólica. Provavelmente, ainda bem.
Agora, nos anos 70, para mim e para os da minha geração, as músicas eram só músicas. Gostávamos delas porque passavam nas primeiras discotecas onde fomos às matinês e nas festas de garagem. Eram só isso; por outras palavras, ajudaram a crescer e a ser adolescente.
Aqui vai, pois, uma lista delas (há uma ou outra pequena batota). Depois de as ouvir, quem não sentir um frémito a percorrer-lhe a espinha que atire a primeira pedra…
Mas, os anos 80, em Portugal, foram um pouco diferentes. Foi quando se consolidou definitivamente a democracia, sem qualquer tutela militar, por um lado, e medo do regresso da ditadura, por outro. Extinguiu-se o Conselho da Revolução, elegeu-se o primeiro Presidente da República civil (Mário Soares) e permitiu-se que um Governo Constitucional, pela primeira vez, conclui-se o seu mandato.
Estas mudanças foram acompanhadas não só de uma outra forma de participação cívica e política de quem era mais jovem (muito estavam a votar pela primeira vez) mas também de uma nova estética. As músicas que ilustram o tal “post”, naquela época, tinham que ver, exactamente, com a forma como uma certa juventude universitária via a política, a sociedade e, mesmo, a sexualidade (muitos vinham do “apartheid” sexual nas escolas; meninos para um lado, meninas para o outro). Deste ponto de vista, estas músicas tinham um grande significado; nem todos as ouviam e nem todos gostavam delas. Muitas delas funcionavam, mesmo, como formas de diferenciação e de criação da consciência de “classe”. Convenhamos que o culto do “underground” do Cais do Sodré dava uma certa “patine” de intelectual de esquerda.
Hoje, algumas delas, são clássicos da música “pop” e “rock”, sem essa carga simbólica. Provavelmente, ainda bem.
Agora, nos anos 70, para mim e para os da minha geração, as músicas eram só músicas. Gostávamos delas porque passavam nas primeiras discotecas onde fomos às matinês e nas festas de garagem. Eram só isso; por outras palavras, ajudaram a crescer e a ser adolescente.
Aqui vai, pois, uma lista delas (há uma ou outra pequena batota). Depois de as ouvir, quem não sentir um frémito a percorrer-lhe a espinha que atire a primeira pedra…
domingo, janeiro 10, 2010
Crise financeira: isto anda tudo mais ligado do que parece
Martin Wolf (“A reconstrução do sistema financeiro global”) tem o mérito de nos explicar o funcionamento do sistema financeira de forma simples e, em especial, de nos explicar com clareza as relações entre os seus níveis macro e micro.
O sistema financeiro não é mais do que um amontoado de promessas. Paga-se hoje e espera-se que amanhã as promessas, contra as quais foi efectuado esse pagamento, se cumpram. Mais, o sistema de promessa é de tal maneira complexo que, nesta altura, paga-se hoje em função de promessas de promessas.
Isto tudo assenta numa palavra: confiança. O Estado tem, aqui, um papel central. Sem a garantia dos depósitos, o sistema financeiro obrigaria, por exemplo, a bancos mais capitalizados, a um “gap” entre pagamentos e recebimentos menor, a taxas de juro mais elevadas, etc. Enfim, existiria menos confiança.
Quando se instala a crise, como a actual, a pirâmide de promessas desmorona-se como um castelo de cartas. Como se verifica, muitas das dívidas das instituições financeiras, como os bancos, acabam por ser dívida pública contingente: a indústria financeira privatiza os lucros e socializa os prejuízos, sempre que esses prejuízos colocam em causa a sua liquidez.
Mas, muitas crises, como a actual, têm razões fundas que se prendem com significativos desequilíbrios macroeconómicos globais. Existe excesso de poupança em muito países emergentes e em outros países desenvolvidos (como a Alemanha e o Japão) e essa poupança tem permitido um afluxo de capitais para o EUA sem precedentes. O caso da China é o mais paradigmático. Apresenta níveis de poupança de cerca de 60% do PIB. O investimento é muito elevado mas, mesmo assim, situa-se nos 50% do PIB. Esse investimento (mas não só) gera crescimentos do produto de dois dígitos. O consumo doméstico anda na ordem dos 40% do PIB, com tendência para diminuir. Isto tudo gerou, em 2006, um excedente das contas correntes da China de 9,1% do PIB.
Essa drenagem de poupanças para o EUA tem vindo a gerar um défice crescente da sua Balança de Transacções Correntes. Este défice das suas contas-correntes não tem servido para incrementar o investimento mas para estimular o consumo privado, produzindo, por sua vez, baixos níveis de poupança.
Este défice das contas-correntes acaba por gerar uma série de (aparentes?) “almoços grátis” americanos. A sua economia continua a ter capacidade para absorver de forma, mais ou menos, duradoura esses capitais. As dívidas contraídas são, ainda por cima, denominadas em moeda local (Dólar). Assim, os EUA têm a vantagem de poderem, por si só, controlar e reduzir o nível de dívida, bastando, para tal, desvalorizar a sua moeda. Como a sua economia nem sequer é demasiado aberta, uma política deste tipo não tem, propriamente, efeitos inflacionários por aí além. [O problema seria de quem lhes emprestou o dinheiro que, de repente, ficaria sem uma parte importante dele. Só para assustar ainda mais, aparentemente, uma desvalorização de 40% do dólar permite resolver o problema do défice das contas-correntes americano; só que, também, a paridade do dólar em relação ao Euro (cerca de 2 Dólares para cada 1 Euro) tornar-se-ia insustentável para os países da União Europeia e, em especial, para os da Zona Euro].
O recurso a produtos financeiros de risco cada vez mais elevados nos EUA, como o “subprime”, tem que ver com esse excesso de financiamento. Era preciso, pois, criar condições para continuar a alimentar os gastos das famílias. Se não fossem elas, sem grande dinâmica de investimento privado, o défice federal tinha que ser ainda muito maior do que é.
Em conclusão, excesso de poupança num lado (China, Alemanha, Arábia Saudita, etc) gera excesso de capitais no outro (EUA) e uma coisa é consequência da outra e vice-versa. Não se consegue saber bem é se pesa mais o facto de os EUA gastarem muito e pouparem pouco ou o facto de os outros pouparem muito e gastarem relativamente pouco.
O sistema financeiro não é mais do que um amontoado de promessas. Paga-se hoje e espera-se que amanhã as promessas, contra as quais foi efectuado esse pagamento, se cumpram. Mais, o sistema de promessa é de tal maneira complexo que, nesta altura, paga-se hoje em função de promessas de promessas.
Isto tudo assenta numa palavra: confiança. O Estado tem, aqui, um papel central. Sem a garantia dos depósitos, o sistema financeiro obrigaria, por exemplo, a bancos mais capitalizados, a um “gap” entre pagamentos e recebimentos menor, a taxas de juro mais elevadas, etc. Enfim, existiria menos confiança.
Quando se instala a crise, como a actual, a pirâmide de promessas desmorona-se como um castelo de cartas. Como se verifica, muitas das dívidas das instituições financeiras, como os bancos, acabam por ser dívida pública contingente: a indústria financeira privatiza os lucros e socializa os prejuízos, sempre que esses prejuízos colocam em causa a sua liquidez.
Mas, muitas crises, como a actual, têm razões fundas que se prendem com significativos desequilíbrios macroeconómicos globais. Existe excesso de poupança em muito países emergentes e em outros países desenvolvidos (como a Alemanha e o Japão) e essa poupança tem permitido um afluxo de capitais para o EUA sem precedentes. O caso da China é o mais paradigmático. Apresenta níveis de poupança de cerca de 60% do PIB. O investimento é muito elevado mas, mesmo assim, situa-se nos 50% do PIB. Esse investimento (mas não só) gera crescimentos do produto de dois dígitos. O consumo doméstico anda na ordem dos 40% do PIB, com tendência para diminuir. Isto tudo gerou, em 2006, um excedente das contas correntes da China de 9,1% do PIB.
Essa drenagem de poupanças para o EUA tem vindo a gerar um défice crescente da sua Balança de Transacções Correntes. Este défice das suas contas-correntes não tem servido para incrementar o investimento mas para estimular o consumo privado, produzindo, por sua vez, baixos níveis de poupança.
Este défice das contas-correntes acaba por gerar uma série de (aparentes?) “almoços grátis” americanos. A sua economia continua a ter capacidade para absorver de forma, mais ou menos, duradoura esses capitais. As dívidas contraídas são, ainda por cima, denominadas em moeda local (Dólar). Assim, os EUA têm a vantagem de poderem, por si só, controlar e reduzir o nível de dívida, bastando, para tal, desvalorizar a sua moeda. Como a sua economia nem sequer é demasiado aberta, uma política deste tipo não tem, propriamente, efeitos inflacionários por aí além. [O problema seria de quem lhes emprestou o dinheiro que, de repente, ficaria sem uma parte importante dele. Só para assustar ainda mais, aparentemente, uma desvalorização de 40% do dólar permite resolver o problema do défice das contas-correntes americano; só que, também, a paridade do dólar em relação ao Euro (cerca de 2 Dólares para cada 1 Euro) tornar-se-ia insustentável para os países da União Europeia e, em especial, para os da Zona Euro].
O recurso a produtos financeiros de risco cada vez mais elevados nos EUA, como o “subprime”, tem que ver com esse excesso de financiamento. Era preciso, pois, criar condições para continuar a alimentar os gastos das famílias. Se não fossem elas, sem grande dinâmica de investimento privado, o défice federal tinha que ser ainda muito maior do que é.
Em conclusão, excesso de poupança num lado (China, Alemanha, Arábia Saudita, etc) gera excesso de capitais no outro (EUA) e uma coisa é consequência da outra e vice-versa. Não se consegue saber bem é se pesa mais o facto de os EUA gastarem muito e pouparem pouco ou o facto de os outros pouparem muito e gastarem relativamente pouco.
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