domingo, dezembro 27, 2009

Viver um dia de cada vez

Santiago Becerra (“O Crash de 2010”) vem-nos dizer que esta crise é de natureza sistémica (não cíclica, portanto), e que, por essa razão, coloca em causa o carácter dominante do capitalismo enquanto modo de produção. A evidência é curta. Diz-nos que o endividamento é excessivo. Que o preço das “commodities” vai passar a ser proibitivo. Que o modelo energético em que assenta é insustentável. Etc. etc. etc..

Não nos diz é porque é que tudo isto implica o fim do capitalismo e das relações de produção que o sustentam. Vai acabar a propriedade privada dos meios de produção? As relações de produção vão ser diferentes? Aparentemente, não. Embora se fale muito de economia regulada. Mas, pelo contrário, também se fala muito no esvaziamento ou, mesmo, no fim do Estado. Na prática pode ser tudo ou o seu contrário. Enfim, uma trapalhada.

Sobram duas ou três frases com interesse. Se passarmos, como diz, a ter uma sociedade que reduza a sua procura ao essencial, então, talvez não tenha sentido a competição como incentivo à actividade económica. Quando reduzimos a nossa procura ao essencial, temos duas vias para a satisfazer: a guerra ou a cooperação.

Na primeira, quem ganha tem direito aos recursos, quem perde desaparece ou é escravizado. Estabelecem-se, assim, novos modos de produção, de facto. Se, entretanto, não implodirmos o mundo. Agora, não existe aqui nenhum incentivo à actividade económica.

A única alternativa viável parece ser a da cooperação entre pessoas, povos, nações, etc.. Nesse caso, teríamos que aprender a repartir melhor os recursos entre todos e assegurar não só a maior eficácia e eficiência produtiva mas, também, redistributiva. Assente num modelo dominante de relações deste tipo entre as pessoas, talvez possa nascer um novo modo de produção. Nesse modelo existe um incentivo à actividade económica mas não um incentivo a cada um em proveito de si próprio mas em proveito do colectivo. Só que ou muito me engano ou é impossível que, voluntariamente, as pessoas aceitem este modelo económico e social. Provavelmente, só depois de uma guerra e de constatarem da sua inviabilidade para resolver o problema da escassez é que estariam dispostas a aceitá-lo. Assim esta alternativa reconduz-nos à primeira só que dividida em duas fases.

Isto tudo para concluir da estupidez do exercício de nos deitarmos a adivinhar o futuro (e, para isso, também não precisamos de andar a ler as profecias dos outros; são tão boas como as nossas). Vale mais viver um dia de cada vez.

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