A encíclica de Bento XVI (“Caritas in Veritate”) é, na componente económica, um verdadeiro programa de esquerda. Quanto aos costumes, permanece a visão ultra-conservadora. Mas interessam-me mais, para aqui, as questões económicas e políticas, ou de economia política.
A Igreja Católica é uma instituição intemporal, que perdura, que tem o sentido da memória e que a preserva. E, sendo assim, percebe que a história se repete e que as condições para que hoje se repitam alguns dos maiores disparates estão aí. Como diz, a globalização não é boa nem má. É o que os homens quiserem fazer dela. Agora, a globalização faz de nós vizinhos mas não faz necessariamente de nós amigos. E se não fizer de nós amigos, então, podemos ter os inimigos logo ao pé da porta, ou, pelo menos, vizinhos barulhentos que não nos deixam dormir e que espanam os tapetes para a nossa varanda.
Os conflitos são hoje mais prováveis do que antes. A globalização aproximou-nos e se não for para o bem será, com toda a certeza, para o mal.
Admite, por outro lado, que o progresso é fundamental para a realização do ser humano em toda a sua plenitude. E o progresso aparece com um sentido também material. A expressão de “felizes os pobres, porque deles é o reino dos céus” parece remetida para o domínio do simbólico.
Também refere que o lucro não é um fim em si mesmo. O lucro tem que ser legítimo e legitimado do ponto de vista social. Isto é, o lucro é um instrumento para o desenvolvimento, assumido numa perspectiva humanista como o desenvolvimento de todos e de cada um de nós. Desse ponto de vista, devem existir múltiplos modelos jurídicos e económicos de empresas que permitam acabar com a separação, que cada vez tem menos sentido, entre as que visam o lucro e as que o não visam. Não se está a falar de terceiro sector. Está-se a constatar uma ampla e complexa realidade, que envolve o público e o privado e que não exclui o lucro, antes o considera como instrumento para realizar finalidades humanas e sociais.
A expressão “negócios éticos”, muito associada às questões da responsabilidade social das empresas, tem-se prestado a usura e a todos equívocos. A economia e finanças devem ser éticas não por qualquer rotulagem exterior, mas pelo respeito de exigências intrínsecas à sua própria natureza. Enquanto houver negócios éticos é porque admitimos que, por um lado, eles podem não o ser e que, por outro, aqueles que o são precisam de se afirmar como tal, o que abona pouco à própria ética (ou estética) dos negócios éticos.
Refere muito mais coisas “de esquerda”, ou pelo menos da “esquerda” como eu a entendo.
Vale a pena lê-la. É uma resposta política aos tempos que vivemos. É uma resposta que faz de Francisco Louçã um menino de coro.
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