O “Prós e Contras” da última segunda-feira sobre o Ensino Superior em Portugal e tudo o que dele se disse, depois, são muito reveladores a vários títulos. Os media, em geral, estão a ser incomensuravelmente mais complacentes com o Ministro do que com os reitores (neste caso, não estão a ser, sequer, nada complacentes). De facto, existem muitas responsabilidades dos reitores no actual estado (que, reconheçamos, não é bom) das Universidades. Mas também é verdade que existe imensa responsabilidade do Ministro nesse actual estado: já lá está há quase dois anos e, embora muita gente esteja esquecida, esteve o tempo todo nos Governos liderados por António Guterres. Como se vê a responsabilidade política do Ministro é muita (quem não se lembra da expansão irresponsável que teve o ensino superior, público e privado, durante esse período).
Depois os pontos de vista do Ministro e dos reitores não me pareceram, no fundo, diferentes. O Ministro considera que as Universidades não têm escolhido os melhores e que, por essa razão, estão em crise. Promete avaliações pertinentes e medidas de política consequentes com elas, lá mais para o ano. Depois de tudo isso, as Universidades passarão a escolher os melhores, a produzir melhor investigação e, por arrastamento, a ensinar e a formar melhores profissionais. É um discurso que, para já, radica na análise que o ensino superior vai mal e, portanto, que legitima os cortes orçamentais já assumidos. Os reitores, no essencial, também não pensam de maneira muito diferente. Não são é tão críticos da situação actual e consideram que cortar dinheiro não vai ajudar nada. Quanto aos amanhãs (que cantam) na, prática, todos estão de acordo. Quanto à situação actual é que estão um pouco em desacordo. Esse desacordo resulta somente de o Ministro não ter mais para dar. Por que se tivesse, como se viu no Governo “Guterres”, dava.
Esta concordância de pontos de vista tem que ver com o lado a partir do qual, todos eles, vêem o ensino superior (não é despiciendo, neste contexto, o facto de o Ministro ser, simultaneamente, professor universitário). Quer o Ministro, quer os reitores, vêem as questões da Universidade sobre o mesmo ângulo de análise, isto é, vêem as universidades de “dentro” e não de “fora”. O que ambos nos disseram foi que: escolhendo melhor os recursos humanos (admite-se que, apesar do processo crescente de internacionalização da ciência, as Universidades Portuguesas têm capacidade para atrair os melhores) e fazendo, em consequência, mais e melhor investigação, as Universidades Portuguesas têm o seu problema resolvido (que visto, desta forma, é só um problema de competitividade face às universidades de outros países).
O que se confunde é autonomia universitária com autarcia universitária. As Universidades devem ser um instrumento fundamental do processo de desenvolvimento económico português. O que lá se não disse foi que modelo de desenvolvimento económico é que as universidades estão ou pretendem vir a promover. Para isso, primeiro, era importante explicitar que modelo de desenvolvimento económico pretendemos. E só depois é que fazia sentido discutir de que forma é que as Universidades o estão ou o irão promover. Mas, como vimos, há muitos mal-entendidos.
Quando olhamos para as classificações de entrada no ensino superior, descobrimos que o sistema está a seleccionar os melhores alunos para o sector da “Saúde”, entendido em sentido lato. O que implica que as classificações de entrada mais elevadas se encontram não só nos cursos de Medicina como em outros que com eles têm que ver (até por que há sempre a possibilidade de os alunos entrarem nesses cursos e, mais tarde, para Medicina transitarem). Assim, não estranhamos que as classificações mais elevadas sejam de cursos que constituem segundas, terceiras, quartas, …, enésimas opções de quem queria ir para Medicina. Descobrimos, já sem nos espantarmos, que se estão a seleccionar enfermeiros, fisioterapeutas e quejandos (isto é, futuros trabalhadores que precisariam, no máximo, de formação técnico-profissional) com médias de mais de 15 valores (em enfermagem, chega-se, com frequência, a exigir média superior a 17 valores). A seguir descobrimos cursos da “moda”, como são o caso da Comunicação Social e da Arquitectura, cujas classificações não têm que ver com a escassez relativa de recursos humanos qualificados nessa áreas e, portanto, com o seu grau de empregabilidade. Descobrimos, ainda, que os cursos que têm como, praticamente, único destino o ensino ainda vão preenchendo as vagas e, muitas vezes, exigindo mesmo médias elevadas. Por fim, vêm as aberrações. Como os Politécnicos e Universidades que se foram criando e expandindo, um pouco, a trouxe-mouxe precisam de sobreviver, “inventam” os cursos mais descabelados, desde que consigam atrair uns tantos incautos. E lá aparece a “Enfermagem de Veterinária”, o “Marketing de produtos agro-alimentares”, etc, etc, etc.
Os cursos de engenharia, estes preenchem cada vez menos as vagas e exigem médias cada vez menores. Por isso estamos mesmo a ver os excelentes engenheiros que iremos produzir com o nível de exigência que os estamos a seleccionar à entrada…..
Claro que este processo de selecção não se articula com o discurso do “Plano Tecnológico” nem, genericamente, com a necessidade de intensificação tecnológica a economia portuguesa. Dito por outras palavras, as Universidades não estão a formar, nem em quantidade, nem em qualidade, os (futuros) profissionais que o modelo de desenvolvimento da economia portuguesa, enunciado por este Governo, requer.
Sobre isto, os reitores e o Ministro nada disseram. É que, pelo menos implicitamente, eles consideram-se o (único) reduto da excelência em Portugal. Eles admitem que o desempenho das universidades é independente do contexto e, assim sendo, podemos ter universitários e universidades de excelência num país pouco desenvolvido e medíocre.
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