Li há, relativamente, pouco tempo o texto “Portugal: um país em crise entre o “desplaneamento” e as políticas de estabilização” de João Cravinho. É um texto muito interessante que explica, a meu ver, muito bem os nossos problemas actuais e o papel que a política económica pode ter para os resolver. Esqueci-me foi de começar por dizer que este texto é de 1983 e que João Cravinho se referia ao período 76-78 (1º acordo com o FMI) e ao que nos esperava em 83 (2ª acordo com o FMI).
Antes como agora, o problema é sempre o mesmo. A nossa falta de competitividade gera um défice insustentável da BTC que tem que ser, numa primeira fase, financiado e, depois, progressivamente reduzido. A solução é sempre a mesma (embora com várias variantes): contracção da procura agregada. No passado, através da desvalorização da moeda e, consequente, melhoria do nosso saldo comercial e pela redução do consumo privado resultante da reposição/diminuição dos salários reais (consequência de uma política monetária com efeitos inflacionários – aumento dos preço das importações, do preços dos seus substitutos, dos não transaccionáveis, etc - que permitia acréscimos nominais de salários com, muitas vezes, reduções dos salários reais). Actualmente e na ausência de política monetária autónoma, o único remédio, deste tipo de solução, não pode deixar de ser o de mexer no único agregado (do lado da procura) em relação ao qual o governo tem alguma margem de manobra, isto é, os gastos públicos.
Em conclusão, o problema é sempre o mesmo e a solução também é a sempre a mesma. Só que a solução também é sempre de curto prazo e, por isso, nunca resolve duradouramente o problema. Qualquer folga no lado da procura gera sempre um problema que, mais tarde ou mais cedo, tem que ser resolvido com mais política recessiva.
O que é que nos falta? No fundo, aquilo que nos pretende dizer João Cravinho. Faltam-nos políticas do lado da oferta. Isto é, políticas que permitam expandir a oferta agregada. Só que essas políticas são de médio/longo prazo. O tempo, em política económica, é sinónimo de planeamento. Hoje, como ontem, o que precisamos é de planear bem o nosso processo de desenvolvimento. Temos que atacar o que houver para atacar no curto prazo do lado da procura agregada, mas isso tem que ser um ponto de partida para essas políticas de horizontes mais largos de médio e longo prazo do lado da oferta. O ajustamento não pode ser sempre, na lógica da procura, do lado do consumo privado ou dos gastos públicos, que é praticamente o mesmo que dizer, na óptica do rendimento, do lado dos salários.
Curiosamente, um texto que li, também, recentemente de Olivier Blanchard (“Adjustement within the euro. The difficult case of Portugal”) vem, na prática, com esta “velha” receita. Fala, vagamente, na necessidade de se aumentar a produtividade (sem explicar muito bem como é que em concreto isso se faz; admito que para este economista essa explicação – menor, do ponto de vista intelectual - deva ficar para os engenheiros) e, depois, a única proposta concreta que apresenta é a redução dos salários reais. É verdade que vai adiantando que essa quebra dos salários não é tão fácil de aceitar pelos trabalhadores como no passado (não é possível contar aqui com a “ilusão” monetária).
O mais interessante destes dois textos, em minha opinião, é que, embora separados por mais de vinte anos (um é de 1983 e outro é de 2006), permitem destacar uma questão que cada vez me parece mais óbvia: os economistas, para além de ideias gerais, só têm, efectivamente, receitas do lado da “procura” e, portanto, só propõem políticas de curto prazo. Na prática, nunca conseguem perceber a causa última das crises e, portanto, nunca resolvem os problemas de fundo. A receita, depois, é sempre a mesma: austeridade. Nunca, se chega é a perceber quando é que essa austeridade deve parar. Fica-se com a sensação que quanto mais austeridade melhor e que, se o doente não morrer da cura, um dia, vá lá saber-se porquê, as coisas vão melhorar. Se não melhorarem, não faz mal porque se fez o que se devia.
Existe sempre a possibilidade de se morrer da cura. A “malta” um dia cansa-se e, na melhor das hipóteses, muda o governo ou, na pior das hipóteses, faz uma revolução. Mas essa possibilidade não é analisada porque jamais se admite que, em democracia, as pessoas, por vezes, aborrecessem-se e ficam, mesmo, muito chateadas.
Se é para nos dizerem que, para qualquer problema, a solução é “apertar o cinto”, vale a pena dedicarem uma parte da vida a estudarem economia? O objectivo deste modelo de organização económica (que costumamos chamar de capitalismo) não é o de, exactamente, proporcionar um melhor nível de vida às pessoas? Se assim não for, para que é que ele serve e, por maioria de razões, a ciência que o estuda?
Parafraseando o elogio de Stiglitz a Phelps, precisamos, acima de tudo, de uma economia da acção e não de uma economia da resignação.
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