domingo, janeiro 16, 2011

Menos economistas, mais engenheiros

Jacques Attali, antes de se dedicar à análise das dívidas soberanas (de que falei aqui há dias), andou a escavar na crise financeira mundial e na do “subprime”, que lhe deu origem ("A crise, e agora?"). Evidencia algumas coisas que para aqui tenho dito.

Tudo começa nos Estados Unidos com um peso cada vez maior do lucro, em detrimento do trabalho, no rendimento nacional. Essa alteração da repartição primária do rendimento resulta, por um lado, dos lucros crescentes da actividade financeira, com as associações que estabelece (e financia) com as indústrias produtoras de bens duradouros (em particular, a construção e o automóvel). Por outro, da diminuição real dos salários.

Tudo isto comprime a procura e esta, para se manter, exige um crescente endividamento dos cidadãos, das empresas e dos Estados. Gera-se uma economia cada vez mais alavancada. O sistema financeiro e o acesso ao crédito surgem como substitutos de uma justa repartição dos rendimentos.

Depois aconteceu tudo o que sabemos. Criou-se um monstro sem cabeça que, a globalização dos mercados financeiros (com recurso à internet), passou a ser incontrolável. Surgem produtos estruturados cada vez mais inextrincáveis. Propõem-se títulos aos clientes “cuja descrição consta de um manual de 150 páginas, que nenhum quadro superior de banco compreende”. Tudo isto é gerido pelos que Attali chama de “iniciados”, isto é, banqueiros, analistas e investidores, que dispõem de informação relevante que não partilham e que usam para seu benefício pessoal. Tudo isto corre bem enquanto as sucessivas “bolhas” (sobretudo no imobiliário) permitem que os activos se vão valorizando. Quando deixam de se valorizar, cai tudo como um castelo de cartas.

A solução apontada é utópica: a reprodução à escala global do estado de direito democrático, que, em cada país e conjuntamente com os mercados, tão boa conta deu nos últimos 60 anos. Só que isso não é possível para já. Os europeus precisaram de mais de mil anos de guerras para compreenderem a necessidade de o começarem a construir. Serão precisos mil anos de guerras mundiais para que isso aconteça à escala global?

Não sendo isso possível (pelo menos para já), resta criar os mecanismos de regulação que tornem “a profissão de banqueiro modesta e maçadora, como nunca devia ter deixado de ser”, privilegiando, ao mesmo tempo, "as carreiras de engenheiro e investigador”.

domingo, janeiro 09, 2011

Hoje como ontem

“Nunca houve, parece-me, na história do mundo, uma época em que a exibição grosseira e descarada da riqueza, sem qualquer elegância aristocrática que a redimisse, tenha sido tão ostensiva como naqueles anos antes de 1914. […] O mais extraordinário era o modo como toda a gente partida do princípio de que esta opulência trasbordante e excessiva das classes alta e média-alta inglesas iria durar para sempre, e fazia parte da ordem natural das coisas. Depois de 1918, as coisas nunca mais tornaram a ser as mesmas. O snobismo e os gostos caros regressaram, é claro, mas eram envergonhados e mantinham-se na defensiva. Antes da guerra, a idolatria do dinheiro era totalmente irreflectida e nenhum rebate de consciência a vinha perturbar. A excelência do dinheiro era tão inequívoca como a excelência da saúde ou da beleza, e um carro cintilante, um título de nobreza ou uma horda de serviçais confundiam-se, na cabeça das pessoas, com a genuína virtude moral”.

Esta é a forma como George Orwell nos descreve, no ensaio “Ah, Ledos, Ledos Dias”, a sociedade inglesa no início do século XX. No início do século XXI continuam-nos a convencer que a desigualdade de rendimento faz “parte da ordem natural das coisas”. Mais, estamos todos disponíveis para aceitar que assim seja por que nos convencem que não pode ser de outra forma, mesmo que a história contemporânea, sobretudo a da Europa do pós-guerra, nos tenha ensinado coisa diferente.