sexta-feira, dezembro 24, 2010

A responsabilidade social das empresas

Este é um assunto muito chique que está na ordem do dia para alguns empresários. O caso da Fundação Francisco Manuel dos Santos é um exemplo muito interessante. Em vez, por exemplo, do Pingo Doce e, genericamente, o Grupo Jerónimo Martins ajudar a desenvolver uma cadeia de abastecimento interno de produtos agrícolas, sobretudo na área dos frescos, o que seria extraordinariamente importante para o desenvolvimento económico do País e das nossas zonas rurais, entretém-se a formar um “think thank” neoliberal. É que a nossa agricultura tem um problema de dimensão, associado, ainda por cima, às tradicionais dificuldades de organização colectiva deste sector. A estruturação de algumas fileiras de jusante para montante poderia ajudar muito. A renda (extraordinária) que o duopólio na distribuição em Portugal gera dá para pagar isso. O Grupo SONAE ao menos tenta com a criação do Clube de Produtores SONAE.

Não faz isso e entretém-se, como quem diz, a afirmar uma ideologia, e ainda temos que ficar agradecidos por tamanha magnanimidade; mesmo que a Pordata não seja mais que a actualização de uma base de dados paga com os nossos impostos, quando do financiamento do António Barreto e da sua equipa para elaborarem “a situação social em Portugal”. É que desenvolver uma cadeia de abastecimento de produtos agro-alimentares não dá tanto tempo de antena nos “media” e é muito pouco chique. Só que, por razões de transparência, quem quer exercer actividade política deve apresentar-se como tal e não como um mecenas.

Os empresários portugueses exercem uma actividade muito importante para o desenvolvimento do País. A sua responsabilidade social tem a ver com isso e, para isso, devem aproveitar as suas capacidades empreendedoras para gerarem novas actividades que criem mais riqueza e emprego. O País agradece.

sábado, dezembro 18, 2010

Estamos falidos e fartos de ler sobre isso

Acabei de ler “Estaremos todos falidos dentro de dez anos? Dívida pública: a última oportunidade” de Jacques Attali. O livro não é propriamente entusiasmante. Uma ou outra coisa escapa naquele arrazoado todo.

A constatação que se sabe pouco. Seria necessário conhecer melhor os activos de uma comunidade para se avaliar melhor a magnitude dos seus passivos. O problema é a valorização desses activos. A dívida é um “stock” e portanto devia ser comparada com outro “stock” e não com o PIB. É sempre interessante o exemplo das empresas mas os Estados são um pouco diferentes. Não se sabendo o balanço dos Estados, não se sabe muitas coisas e a Teoria Económica não é particularmente informada na prescrição. Enfim, não se sabe muito sobre as “relações de causalidade entre crescimento, défice e maturidade da dívida”.

Sabíamos que o capital não tem pátria, mas, às vezes, não reconhecer a pátria é uma estupidez. Napoleão precisava de financiar a guerra contra a Inglaterra. Dispôs-se, então, a vender o Louisiana ao Estados Unidos, que, para esse efeito, contrairam um empréstimo a um banco inglês, o Barings. Por outras palavras, um banco inglês foi o principal financiador de uma guerra contra a Inglaterra.

Prevendo que o elevado nível de endividamento dos países ocidentais seja o prenúncio do declínio da sua civilização e a ascensão do oriente, Attali sai-se com uma das alegorias económicas de gosto mais duvidoso. Às páginas tantas, refere que a União Europeia poderá decidir-se por continuar a “contrair empréstimos, em competição frontal com os Estados Unidos na procura de capitais, à semelhança de duas velhas prostitutas que disputam os derradeiros clientes”.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

É o sistema financeiro, estúpido!

Há quem queira que nos esqueçamos de como é que tudo isto começou. Convém fazer um esforço para não nos esquecermos e podemos fazê-lo a rir, mesmo que seja um riso amarelo, por percebermos que a personagem do banqueiro acaba por ter razão.

Quando as crises rebentam ou os governos (todos nós, contribuintes, por outras palavras) devolvem o dinheiro aos especuladores ou o que vai por água abaixo não é o dinheiro deles mas o das pensões que lhes estavam confiadas.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Podemos ser pró ou contra; o que devemos é ser alguma coisa

A partir deste programa, e do muito que se lá disse, podem-se tirar conclusões muito relevantes para a análise da situação económica e financeira de Portugal e dos PIIGS no contexto da União Europeia. Vamos por partes.

1. Se os mercados avaliam sempre bem o risco e se a cada pacote de austeridade em vez de se reduzirem as taxas de juro das dívidas soberanas estas taxas aumentam ainda mais, então, é porque os mercados consideram que, depois desses pacotes, o risco de insolvência dos respectivos países aumenta. Mais, provavelmente, esta especulação em dominó sobre as diferentes dívidas soberanas talvez seja uma demonstração que os mercados consideram este problema como um problema do conjunto da Zona Euro e não de um ou outro dos países que a constituem.

2. Estes desequilíbrios na Zona Euro vêm de muito longe. Vêm desde o Tratado de Maastricht. Vêm, no caso português, do processo desinflacionário desenvolvido pelo Cavaco, decorrente da nossa assinatura do Tratado de Maastricht. Foi aí que se criou a ilusão, não só em Portugal (nomeadamente no Banco de Portugal) mas na União Europeia também, que, com a criação do Euro, os défices das contas-correntes dos países deixavam de ser importantes. Está-se a pagar muito caro essa ilusão.

3. Os ricos e os pobres ou, de outra forma, a desigualdade na distribuição de rendimentos e o endividamento são duas faces da mesma moeda. Hoje, no Ocidente assiste-se a um fenómeno de (re)concentração da riqueza (mais evidente nos Estados Unidos do que, propriamente, na Europa). É verdade que os ricos têm uma maior propensão para a poupança, enquanto os pobres têm uma maior propensão para o consumo. Vistas as coisas desta forma, aumentar a desigualdade de rendimentos permitiria reduzir o endividamento. Nada de mais errado. O que têm feito os ricos com o acréscimo de rendimento tem sido aplicá-lo em activos cada vez mais líquidos que, com frequências, constituem produtos estruturados que não são mais do que dívidas contraídas pelos mais pobres e resultantes do facto de estarem a ficar cada vez mais pobres. A poupança de uns gera endividamento dos outros e vice-versa.

4. Nenhum país sobrevive a endividar-se a taxas de juro como a maior parte dos países periféricos da União Europeia tem estado a transaccionar a sua dívida soberana. Nem sequer nenhum deles está em condições de pagar a taxa que tem vindo a ser negociada pelo FMI e/ou pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Nenhum país pode ficar completamente refém dos mercados financeiros. Em situações como esta, é necessário algum financiamento monetário da economia. É gerador de inflação, mas a inflação, nesta altura, é o menor dos nossos problemas (o próprio Olivier Blanchard o admite). A inflação gera, aliás, uma redistribuição entre aforradores e devedores, muito conveniente neste momento.

5. O nosso maior problema é o endividamento externo e precisamos de instrumentos de política para o combater. Não temos os mais convencionais, como a taxa de câmbio. O problema da nossa economia é um problema de competitividade e é preciso assentar aí a nossa argumentação com as autoridades europeias. Temos que ser criativos. A proposta de João Ferreira do Amaral de se descriminarem positivamente em todos os contextos possíveis os sectores transaccionáveis parece muito interessante. Esta política de curto prazo teria que ser combinada com outra de horizontes mais largos (de melhoria do capital humano, aposta na inovação, reforço da intensificação tecnológica da produção nacional, etc). Parece uma solução bem mais simples e viável do que a protagonizada por Vítor Bento, que propõe um pacto nacional para se alterarem os preços relativos dos bens e serviços transaccionáveis relativamente aos não transaccionáveis.

6. Não parece que, em Portugal, a redução de salários e o aumento da flexibilidade da legislação laboral venham a resolver alguma coisa. Muito pelo contrário, com o nível actual de endividamento das famílias, que é o mais elevado da Europa, corre-se o risco de se cair numa tragédia social e financeira. Uma aposta na redução dos salários vai-se traduzir, inexoravelmente, num acréscimo dos incobráveis.

7. Ser favorável a um ajustamento mais gradual da economia portuguesa e do défice público não quer dizer que se contemporize com autênticas situações de descontrolo na execução orçamental. Desse ponto de vista é fundamental sujeitar ao escrutínio e controlo as entidades empresariais do Estado que contribuem, embora de forma mais indirecta, para a despesa pública. É que é sempre daí, como é o caso este ano das Estradas de Portugal, que vem o buraco.

Em conclusão, o debate propiciado por este programa permitiu verificar que as ideias contam. Não existe nada pré-determinado. As políticas resultam de escolhas e, em democracia, em escolhas legitimadas pelo voto. Mais, a Europa é uma construção de todos os povos e, portanto, de nós portugueses também.