sexta-feira, dezembro 24, 2010

A responsabilidade social das empresas

Este é um assunto muito chique que está na ordem do dia para alguns empresários. O caso da Fundação Francisco Manuel dos Santos é um exemplo muito interessante. Em vez, por exemplo, do Pingo Doce e, genericamente, o Grupo Jerónimo Martins ajudar a desenvolver uma cadeia de abastecimento interno de produtos agrícolas, sobretudo na área dos frescos, o que seria extraordinariamente importante para o desenvolvimento económico do País e das nossas zonas rurais, entretém-se a formar um “think thank” neoliberal. É que a nossa agricultura tem um problema de dimensão, associado, ainda por cima, às tradicionais dificuldades de organização colectiva deste sector. A estruturação de algumas fileiras de jusante para montante poderia ajudar muito. A renda (extraordinária) que o duopólio na distribuição em Portugal gera dá para pagar isso. O Grupo SONAE ao menos tenta com a criação do Clube de Produtores SONAE.

Não faz isso e entretém-se, como quem diz, a afirmar uma ideologia, e ainda temos que ficar agradecidos por tamanha magnanimidade; mesmo que a Pordata não seja mais que a actualização de uma base de dados paga com os nossos impostos, quando do financiamento do António Barreto e da sua equipa para elaborarem “a situação social em Portugal”. É que desenvolver uma cadeia de abastecimento de produtos agro-alimentares não dá tanto tempo de antena nos “media” e é muito pouco chique. Só que, por razões de transparência, quem quer exercer actividade política deve apresentar-se como tal e não como um mecenas.

Os empresários portugueses exercem uma actividade muito importante para o desenvolvimento do País. A sua responsabilidade social tem a ver com isso e, para isso, devem aproveitar as suas capacidades empreendedoras para gerarem novas actividades que criem mais riqueza e emprego. O País agradece.

sábado, dezembro 18, 2010

Estamos falidos e fartos de ler sobre isso

Acabei de ler “Estaremos todos falidos dentro de dez anos? Dívida pública: a última oportunidade” de Jacques Attali. O livro não é propriamente entusiasmante. Uma ou outra coisa escapa naquele arrazoado todo.

A constatação que se sabe pouco. Seria necessário conhecer melhor os activos de uma comunidade para se avaliar melhor a magnitude dos seus passivos. O problema é a valorização desses activos. A dívida é um “stock” e portanto devia ser comparada com outro “stock” e não com o PIB. É sempre interessante o exemplo das empresas mas os Estados são um pouco diferentes. Não se sabendo o balanço dos Estados, não se sabe muitas coisas e a Teoria Económica não é particularmente informada na prescrição. Enfim, não se sabe muito sobre as “relações de causalidade entre crescimento, défice e maturidade da dívida”.

Sabíamos que o capital não tem pátria, mas, às vezes, não reconhecer a pátria é uma estupidez. Napoleão precisava de financiar a guerra contra a Inglaterra. Dispôs-se, então, a vender o Louisiana ao Estados Unidos, que, para esse efeito, contrairam um empréstimo a um banco inglês, o Barings. Por outras palavras, um banco inglês foi o principal financiador de uma guerra contra a Inglaterra.

Prevendo que o elevado nível de endividamento dos países ocidentais seja o prenúncio do declínio da sua civilização e a ascensão do oriente, Attali sai-se com uma das alegorias económicas de gosto mais duvidoso. Às páginas tantas, refere que a União Europeia poderá decidir-se por continuar a “contrair empréstimos, em competição frontal com os Estados Unidos na procura de capitais, à semelhança de duas velhas prostitutas que disputam os derradeiros clientes”.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

É o sistema financeiro, estúpido!

Há quem queira que nos esqueçamos de como é que tudo isto começou. Convém fazer um esforço para não nos esquecermos e podemos fazê-lo a rir, mesmo que seja um riso amarelo, por percebermos que a personagem do banqueiro acaba por ter razão.

Quando as crises rebentam ou os governos (todos nós, contribuintes, por outras palavras) devolvem o dinheiro aos especuladores ou o que vai por água abaixo não é o dinheiro deles mas o das pensões que lhes estavam confiadas.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Podemos ser pró ou contra; o que devemos é ser alguma coisa

A partir deste programa, e do muito que se lá disse, podem-se tirar conclusões muito relevantes para a análise da situação económica e financeira de Portugal e dos PIIGS no contexto da União Europeia. Vamos por partes.

1. Se os mercados avaliam sempre bem o risco e se a cada pacote de austeridade em vez de se reduzirem as taxas de juro das dívidas soberanas estas taxas aumentam ainda mais, então, é porque os mercados consideram que, depois desses pacotes, o risco de insolvência dos respectivos países aumenta. Mais, provavelmente, esta especulação em dominó sobre as diferentes dívidas soberanas talvez seja uma demonstração que os mercados consideram este problema como um problema do conjunto da Zona Euro e não de um ou outro dos países que a constituem.

2. Estes desequilíbrios na Zona Euro vêm de muito longe. Vêm desde o Tratado de Maastricht. Vêm, no caso português, do processo desinflacionário desenvolvido pelo Cavaco, decorrente da nossa assinatura do Tratado de Maastricht. Foi aí que se criou a ilusão, não só em Portugal (nomeadamente no Banco de Portugal) mas na União Europeia também, que, com a criação do Euro, os défices das contas-correntes dos países deixavam de ser importantes. Está-se a pagar muito caro essa ilusão.

3. Os ricos e os pobres ou, de outra forma, a desigualdade na distribuição de rendimentos e o endividamento são duas faces da mesma moeda. Hoje, no Ocidente assiste-se a um fenómeno de (re)concentração da riqueza (mais evidente nos Estados Unidos do que, propriamente, na Europa). É verdade que os ricos têm uma maior propensão para a poupança, enquanto os pobres têm uma maior propensão para o consumo. Vistas as coisas desta forma, aumentar a desigualdade de rendimentos permitiria reduzir o endividamento. Nada de mais errado. O que têm feito os ricos com o acréscimo de rendimento tem sido aplicá-lo em activos cada vez mais líquidos que, com frequências, constituem produtos estruturados que não são mais do que dívidas contraídas pelos mais pobres e resultantes do facto de estarem a ficar cada vez mais pobres. A poupança de uns gera endividamento dos outros e vice-versa.

4. Nenhum país sobrevive a endividar-se a taxas de juro como a maior parte dos países periféricos da União Europeia tem estado a transaccionar a sua dívida soberana. Nem sequer nenhum deles está em condições de pagar a taxa que tem vindo a ser negociada pelo FMI e/ou pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Nenhum país pode ficar completamente refém dos mercados financeiros. Em situações como esta, é necessário algum financiamento monetário da economia. É gerador de inflação, mas a inflação, nesta altura, é o menor dos nossos problemas (o próprio Olivier Blanchard o admite). A inflação gera, aliás, uma redistribuição entre aforradores e devedores, muito conveniente neste momento.

5. O nosso maior problema é o endividamento externo e precisamos de instrumentos de política para o combater. Não temos os mais convencionais, como a taxa de câmbio. O problema da nossa economia é um problema de competitividade e é preciso assentar aí a nossa argumentação com as autoridades europeias. Temos que ser criativos. A proposta de João Ferreira do Amaral de se descriminarem positivamente em todos os contextos possíveis os sectores transaccionáveis parece muito interessante. Esta política de curto prazo teria que ser combinada com outra de horizontes mais largos (de melhoria do capital humano, aposta na inovação, reforço da intensificação tecnológica da produção nacional, etc). Parece uma solução bem mais simples e viável do que a protagonizada por Vítor Bento, que propõe um pacto nacional para se alterarem os preços relativos dos bens e serviços transaccionáveis relativamente aos não transaccionáveis.

6. Não parece que, em Portugal, a redução de salários e o aumento da flexibilidade da legislação laboral venham a resolver alguma coisa. Muito pelo contrário, com o nível actual de endividamento das famílias, que é o mais elevado da Europa, corre-se o risco de se cair numa tragédia social e financeira. Uma aposta na redução dos salários vai-se traduzir, inexoravelmente, num acréscimo dos incobráveis.

7. Ser favorável a um ajustamento mais gradual da economia portuguesa e do défice público não quer dizer que se contemporize com autênticas situações de descontrolo na execução orçamental. Desse ponto de vista é fundamental sujeitar ao escrutínio e controlo as entidades empresariais do Estado que contribuem, embora de forma mais indirecta, para a despesa pública. É que é sempre daí, como é o caso este ano das Estradas de Portugal, que vem o buraco.

Em conclusão, o debate propiciado por este programa permitiu verificar que as ideias contam. Não existe nada pré-determinado. As políticas resultam de escolhas e, em democracia, em escolhas legitimadas pelo voto. Mais, a Europa é uma construção de todos os povos e, portanto, de nós portugueses também.

quinta-feira, novembro 18, 2010

De que têm medo os sociais-democratas?

A leitura de "Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos”, de Tony Judt, é profundamente inquietante. Algo de muito errado aconteceu para que quando qualquer um de nós se afirma social-democrata seja quase proscrito. A síntese ou o consenso social-democrata na Europa, com os seus irmãos gémeos liberais no EUA, produziu uma era de extraordinário progresso (“Les trente glorieuse”, na conhecida expressão francesa); progresso, no sentido iluminista, que se traduz na crença de que as próximas gerações irão viver melhor que actual que, por sua vez, vive melhor que as anteriores.

Este consenso permitiu conciliar o que hoje parece irreconciliável: liberdade, democracia, crescimento económico e redução das desigualdades. Cada uma destas coisas é boa por si só; em conjunto são a quadratura do círculo. Como é possível que tenhamos perdido “completamente a fé neste sistema”? Uma coisa é admitir que ele não possa perdurar nos exactos termos em que existiu há trinta anos atrás. Outra bem diferente é renegá-lo. E renegá-lo renegando-se a si mesmo. Isto é, hoje quem o renega é um produto dele; que de outra forma não teria tido acesso à cultura, ao conhecimento, à educação, à saúde, enfim, a uma “vida boa”.

Quem o começa a renegar é a geração de 60. A contestação dessa época foi, em parte, a afirmação do indivíduo contra Estado. Foi de esquerda. Foi inspirada, para muitos, em regimes colectivistas como o chinês. Mas, a prazo, foi um movimento que começou a destruir a noção de partilha de um destino colectivo e de pertença a uma comunidade. Foi, na prática, um aliado da direita mais conservadora.

E chegámos à situação absurda, como nos diz Judt, de “termos tanta certeza que algum planeamento, ou o imposto progressivo, ou a propriedade colectiva de bens públicos são restrições intoleráveis à liberdade, enquanto câmaras de televisão em circuito fechado, viabilizações estatais de bancos de investimento grandes demais para falir, telefones sobre escuta e guerras dispendiosas no estrangeiro são fardos aceitáveis para um povo livre”.

segunda-feira, novembro 15, 2010

Austeridade? Não obrigado!

Esta política de austeridade não é óbvia e, mais do que isso, é perigosa. Há várias maneiras de explicar porquê, mas esta é a mais simples e, portanto, a melhor que conheço.

quarta-feira, novembro 10, 2010

Regionalização e finanças públicas

Há dias participei num “workshop” sobre regionalização e finanças públicas. Como todos seguramente concordamos, não pode existir regionalização que não envolva um processo de responsabilização dos eleitos relativamente aos recursos orçamentais que são postos à sua disposição. A meu ver, esta questão antecede a do estabelecimento do modelo de financiamento e nem sempre é de fácil resolução. No caso dos municípios, por exemplo, nem sempre os cidadãos responsabilizam na proporção devida este nível político sobre a fiscalidade que sobre eles incide.

Nesta discussão releva mais um ponto relativamente a todos os outros, e que resulta de necessidade de se clarificarem as competências dos futuros governos regionais antes de se discutir o seu financiamento. Não é preciso, desde já, estabelecer um orçamento de base zero que identifique para cada competência os respectivos custos e, depois, a origem dos recursos que os irão financiar. Agora, é necessário clarificar o seguinte ponto: ou os governos regionais podem efectuar despesas de investimento ou limitam-se a promover o investimento, público e privado, a realizar nas suas regiões.

No primeiro caso, os governos têm que dispor de capacidade para apresentar (e executar) orçamentos deficitários e, portanto, constituem-se como entidades susceptíveis de aumentarem o nível de endividamento público. No segundo caso, pode e deve-se exigir um orçamento com saldo nulo entre despesas e receitas efectivas. No primeiro caso, estamos em presença de futuros governos regionais mais pesados do ponto de vistas das suas competências, nomeadamente, nas áreas da educação, saúde e transportes. No segundo caso, teríamos governos regionais mais “soft” num primeiro momento (em matéria de investimento público limitar-se-iam a promover e financiar o que respeita à administração local e administração central). Gradualmente, pela própria dinâmica deste processo, poderiam ir ganhando novas competências nos tais sectores “mais pesados” em termos de investimento e despesa pública (mesmo que inicialmente essas competências decorram da execução de contratos-programa com o Estado Central e da negociação com a Administração Central dos investimentos a co-financiar pelos Fundos Estruturais, esmagadoramente geridos, nesta caso, pelos governos regionais).

Na actual situação económica do país, esta clarificação é fundamental. O mais avisado seria, porventura, optar por começar de forma gradual. Se assim não for, então terá que existir uma “cláusula travão” sobre o endividamento regional que seja credível e suficientemente dissuasora de comportamentos, até, de “risco moral”.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Em poucas palavras

Há quem diga num parágrafo o que pensamos há muito e não conseguimos dizer. Escrevemos, reescrevemos e nunca encontramos as palavras certas. Tony Judt (“O Século XX Esquecido”) tem-nas:

“A idealização do mercado, com a pretensão de que em princípio tudo é possível e as forças de mercado determinam que possibilidades irão surgir, é a mais recente (se não a derradeira) ilusão modernista: a de que vivemos num mundo de potencial infinito, onde somos senhores dos nossos destinos (embora de certo modo simultaneamente dependentes do desfecho imprevisível de forças que não controlamos). Os defensores do Estado intervencionista são mais modestos e desenganados. Preferem escolher entre desfechos possíveis a deixar o resultado ao acaso, nem que seja por haver algo intuitiva e desagradavelmente insensível em confiar certo género de bens, serviços e oportunidades aos caprichos do destino”.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Mas que grande nó cego!

Vítor Bento é um dos mais sérios economistas portugueses “mainstream”. É sério porque expõe o seu diagnóstico sobre a situação da economia portuguesa com rigor e procura, dentro do seu quadro conceptual, encontrar soluções. Enfim, expõe-se e não se limita a criticar e a dizer sempre que andou a avisar. Neste novo livro (“O Nó cego da economia. Como resolver o principal bloqueio do crescimento económico”) retoma e aprofunda o diagnóstico e as soluções que já tinha apresentado no anterior (“Perceber a crise para encontrar o caminho”).

Neste aprofundamento algumas coisas mudaram um pouco em relação ao texto anterior. Segundo o autor, a crise começa com o processo deflacionário da economia portuguesa que se inicia, grosso modo, com a adesão ao Sistema Monetário Europeu, isto é, com o abandono da desvalorização deslizante do escudo (”crawling peg”). Assim, não começa com a adesão ao Euro ou após 1995, como se apontava anteriormente. As soluções para a economia portuguesa são agora analisadas também em contextos mais alargados, que são o da União Europeia e o da zona Euro.

Mesmo assim, continua um ou outro julgamento moral. O último capítulo é, a esse título, o pior. Os alemães moralmente são superiores aos povos do sul da Europa e essa superioridade é que explica o seu sucesso económico e a sua supremacia política. Não existe qualquer enquadramento histórico sobre o pós segunda guerra mundial e sobre o papel dos Estados Unidos e de muitos aliados no perdão da dívida alemã e na criação das condições para o seu desenvolvimento e do da Europa. O “Plano Marshall” e coisas assim nunca existiram e tudo se deve à capacidade de trabalho e à propensão para a poupança dos alemães. De um lado está a virtude; do outro todos os defeitos. De um lado está o trabalho e a forretice; do outro está a preguiça e o desperdício. De um lado está a formiga; do outro está a cigarra.

Não concordo com este tipo de raciocínio. Para além do mais, ele é inútil. Colocadas assim as coisas, a política económica não tem qualquer utilidade e pertinência. As coisas são determinada genética e sociologicamente e a esse nível a economia e a política nada podem fazer. A análise económica feita nestes termos, apesar do recurso a expressões como “as funções de preferência social dos países”, nega-se a si mesma.

Mas esta é a parte que menos importa. O que importa são as soluções apontadas a nível nacional e europeu.

A nível nacional, aponta-se a necessidade de se reproduzirem os efeitos que uma desvalorização cambial produziria. Assim, não se podendo mexer na taxa de câmbio nominal, ajusta-se a taxa de câmbio real. Para esse efeito, ajusta-se o nível de preços internos. Ajustar o nível de preços internos passa, antes de mais, pela redução dos preços dos bens e serviços não transaccionáveis, até porque o sector dos bens e serviços transaccionáveis actua em regime de “price taker” e, portanto, os respectivos preços já se encontram alinhados, por definição, com os internacionais.

A nível europeu, o processo de reequilíbrio macroeconómico, tendencialmente deflacionário, dos PIIGS teria que ser compensado pelo aumento da procura interna da Alemanha e dos países alinhados com a sua economia. A contracção de todas as economias, como se está a verificar, tenderá a gerar um espiral contracionária e, mesmo, deflacionária sem fim à vista e de consequências imprevisíveis.

A meu ver, estas soluções não têm grande futuro. Os problemas que levaram a esta situação são aqueles que impedem estas soluções.

Em primeiro lugar, o ajustamento interno dos preços pressuporia que fosse possível um acordo (um pacto social, segundo o autor) com os responsáveis, empresarias e sindicais, deste sector dos não transaccionáveis. Estes representantes teriam, assim, os seus interesses alinhados com o interesse nacional a longo prazo. Só que o capital não tem pátria. A posse destes sectores há muito tempo que não é nacional. Mais, a posse de muitas das “utilities” é de vários tipos de fundos(de pensões, etc), cuja gestão valoriza a óptica do curto prazo. Mesmo que a propriedade fosse nacional, já se viu até onde chega o patriotismo dos nossos capitalistas ou a sua visão de longo prazo.

A nível europeu, deflacionar de um lado para inflacionar do outro precisa de outra política monetária do lado do BCE. Não nos parece que daí venha nada de novo. Por outro lado, os desequilíbrios macroeconómicos dos PIIGS foram largamente fomentados pela Alemanha (através de uma política consistentemente deflacionária), que foi quem com eles mais lucrou. Depois de ter lucrado com eles, duvido que esteja muito interessada em arranjar qualquer solução. A partir de agora, virar-se-á para outro lado, e há muitos sítios no mundo para onde se virar.

quarta-feira, julho 07, 2010

Só viaja quem pode pagar

Nesta voragem da discussão das SCUT não se discute, a meu ver, o essencial. O que está em causa, no limite, é a existência (ou não) de um constrangimento à liberdade de circulação de pessoas. A liberdade de circulação de pessoas é uma questão de princípio. Podemos ou não estar de acordo com ela. Podemos considerar que ela deve ser limitada por várias razões. Mas essa é outra discussão.

Ninguém com o mínimo de bom senso considera que a alternativa às auto-estradas são as antigas estrada nacionais; por razões de segurança, congestionamento, poluição, etc. Não passa pela cabeça de ninguém ir de Viana do Castelo a Faro pelas antigas estradas nacionais. As estradas nacionais estão hoje para as auto-estradas como estavam os caminhos de cabras para as estradas de macadame no século passado.

A liberdade de circulação é um direito. Esse direito, como qualquer um, é independente da vontade de o exercer. Sendo cidadão tem-se esse direito e ponto final.

É verdade que quem tem maiores rendimentos viaja mais. Então, também deve pagar mais a utilização das infra-estruturas a que recorre para esse efeito. A questão é se o deve pagar através dos impostos ou pela sua utilização. Quando se paga pela utilização, está-se a dizer que só pode viajar quem tem dinheiro. Mesmo que só viaje quem tem dinheiro.

É verdade que já se pagava em muitas auto-estradas. Só que o carácter universal do pagamento alterou radicalmente a natureza das coisas. Aqui se verifica, como em muitas outras situações, a dialéctica Hegeliana da transformação da quantidade em qualidade. A alteração dos direitos altera a sociedade e o regime em que vivemos. Às vezes não nos apercebemos disso, porque essas mudanças se fazem pouco a pouco.

Enfim, convém pensarmos na sociedade e no regime que aí vem. O que se aplica às SCUT aplica-se à saúde, ao abastecimento de água e por aí fora.

domingo, maio 23, 2010

O Norte já mudou de vida. E o País?

Com a adesão à EFTA e, depois, à (então) CEE, Portugal (especialmente a Região do Norte) passou a ser um país pobre a vender em regime de exclusividade a um clube restrito de países ricos. Vendia aquilo que eles já tinham deixado de produzir: têxteis, vestuário e calçado. Vendia, enfim, bens assentes em processos produtivos intensivos em mão-de-obra não qualificada e com baixos salários. Como noutros países, não se aproveitou essa oportunidade para, a partir dessa base industrial, produzir algo mais sofisticado (incorporando “design”, criando marcas, dominando melhores os circuitos de aprovisionamento e distribuição, etc). O modelo de negócio (a subcontratação) limitou-se à venda de mão-de-obra ao preço mais barato da Europa. Este modo de vida durou mais de trinta anos.

Com a entrada dos Países de Leste na UE e, sobretudo, com a intensificação do processo de globalização (após, designadamente, a adesão da China à OMC), Portugal deixou de ter esse exclusivo. O choque foi (e continua a ser) brutal, sobretudo, na Região do Norte, especializada na produção de bens transaccionáveis e com forte orientação exportadora.

A economia desta região NUTS II está a ajustar-se a esse choque. Esse ajustamento estrutural caracteriza-se por dois movimentos. Por um lado, pelo desaparecimento de muitas das empresas que caracteriza(va)m a economia regional. Por outro, pelo aparecimento de outras com maiores níveis de intensificação tecnológica e dominando muitos dos factores dinâmicos de competitividade referenciados atrás.

Estes dois movimentos coexistem no tempo mas produzem efeitos diferenciados ao nível do emprego. O ritmo de desaparecimento de empresas é superior ao ritmo da criação de outras. Ainda por cima, essas outras desenvolvem-se a partir de processos produtivos mais intensivos em capital, necessitando, portanto, de menos mão-de-obra e de perfis profissionais e de qualificação dos trabalhadores diferentes dos do passado.

Enquanto decorre este processo, o desemprego tende a aumentar (e tem aumentado) dramaticamente. Muito dificilmente quem perdeu emprego o vai encontrar nessas novas actividades e empresas. Agora, se este processo de ajustamento estrutural for potenciador de um ciclo longo de crescimento económico e/ou de taxas de crescimento elevadas, os acréscimos de rendimento das famílias poderão induzir, mais tarde do que cedo, alterações quantitativas e qualitativas do consumo privado. Um maior consumo privado e, em particular, o seu redireccionamento para certos tipos de serviços (como os serviços de proximidade – apoio a idosos e crianças, pequeno comércio e serviços não especializados) tenderá, então sim, a gerar efeitos mais significativos sobre o emprego e, especialmente, sobre o emprego dos trabalhadores menos qualificados.

Muitos estudos que têm sido efectuados recentemente apontam para a existência dessa mudança estrutural. A economia do Norte não está a morrer como parece. Está a mudar e essa mudança faz-se a um ritmo lento e de forma dolorosa. Mas se esta mudança for bem sucedida, nada impede que um novo ciclo de expansão económica não venha a repor os níveis de emprego. Só que isso não virá a acontecer tão cedo.


P.S. O Presidente da República acabou de pedir ao Norte para salvar o País. Não deixa de ser paradoxal que esse apelo venha do político que mais ostracizou esta Região e que mais contribui para a destruição da sua economia. Nada que quem vive e trabalha na Região do Norte não soubesse que viria a acontecer (como se demonstra aqui ). Faltou foi um pedido de desculpas.

sábado, março 27, 2010

Chorar

Descobri por acaso num blogue a referência à interpretação de Jane Birkin do prelúdio nº4 da op.28 de Chopin. É uma das peças mais tristes que me foi dado ouvir. Quem é que não se consegue emocionar com ela? Vêm-nos à cabeça todas as imagens do passado. Mas vêm-nos com uma sensação de perda. Vêm-nos como um caminho para o fim.

Comecemos por Chopin.



Ouçam a interpretação de Jane Birkin.



Lembram-se dela? Do tempo em que todos sabíamos francês. Que nos cresciam borbulhas. Que tudo era definitivo. Quem não se lembra do lado B do "single" vai-se lembrar do lado A. Ouçam.



Não sei se choraram à primeira, à segunda ou à terceira. Eu chorei das três vezes, para dentro, que é como dói mais.

quinta-feira, março 25, 2010

Vale mais uma má moeda na mão do que duas boas a voar

A economia, a boa, a da Bayer, sempre nos fez crer que acréscimos de produtividade relativa de uns países face a outros geravam ajustamentos do lado dos salários e da taxa de câmbio que, mais tarde ou mais cedo, reporiam os equilíbrios das contas-correntes entre eles. Nesse mundo, tudo é simples.

O raciocínio tem toda a lógica. Só que a lógica nem sempre preside ao governo do mundo.

Vá-se lá saber porquê, na economia mundial persistem profundos desequilíbrios macroeconómicos que não há maneira de se corrigirem. Existe excesso de poupança de um lado e excesso de dívida do outro. É tão problemático o excesso de poupança como o excesso de dívida. Por razões morais, valorizamos a poupança. Mas só por isso. Em economia, a poupança só tem sentido se alguém estiver disponível para a mobilizar para fins produtivos, de preferência, ou consumo.

A Europa e, em particular, a zona euro são um caso particular desses desequilíbrios. Os países periféricos da zona euro caíram numa armadilha que não tem saída à vista. Convenceram-se, mal, que no euro deixavam de ter problemas de défice das suas contas-correntes. Ouvi vários economistas afirmarem, no tempo de todos as utopias, que essa coisa da BTC de um país deixava até de fazer sentido.

O problema começou há muito tempo atrás. Com a reunificação, os esforços de reconstrução da Alemanha do Leste impuseram um custo acrescido a todos os países por via do aumento das taxas de juro. Isto é, uma decisão política de um país impôs custos brutais a outros.

Na altura, argumentou-se que não havia remédio. Mas para que, aparentemente, tal não se repetisse, fez-se o negócio do euro. A ideia era simples mas ingénua. Já que se tem que seguir a política monetária da Alemanha, quer se queira, quer não, então, o melhor é criar uma união monetária com ela. A ideia era que, participando todos da mesma moeda, poder-se-ia ter uma política monetária que mais conviesse a todos. Ouvi muitos argumentos desse tipo. Ninguém cuidou de saber se era possível ter uma mesma moeda e uma mesma política monetária que satisfizesse países com níveis de desenvolvimento muito distintos. Aparentemente, não havia outra solução.

O confronto com a realidade, em Portugal, começou aos poucos. Ao princípio, não se deu conta do que estava a acontecer. O processo de convergência nominal estava a correr bem e ninguém se preocupou com o endividamento externo. E ele podia não ser o que é hoje. Sem a entrada da China na OMC e a globalização, a troca de carros, máquinas, material eléctrico e electrónica por sapatos, camisolas e turismo talvez resolvesse, pelo menos em parte, o problema.

Mas o problema estava lá. Primeiro começou pela queda da poupança a partir do início dos anos 90, com a adesão ao SME. Durante um par de anos, o afluxo de capitais (Fundos Estruturais e IDE, ainda para mais com forte potencial exportador), compensou essa queda e iludiu o problema. Com a estabilização dos fluxos de Fundos Estruturais e a queda do IDE, devido ao alargamento a leste da União Europeia, o endividamento externo disparou.

Quando o problema apareceu na sua configuração actual, começou-se por culpar os governos. É que os economistas nunca erram, quem erram são os políticos. O Guterres serviu de bombo da festa. É verdade que se gastou mais do que se devia. Mas qual teria que ser o superávite orçamental para compensar o diferencial entre o investimento e a poupança? Mais, como é que se pode cortar no investimento, público e privado, num país com um atraso estrutural tão significativo e que quer convergir com a média europeia?

Veio o Barroso, com a Manuela Ferreira Leite, o Santana, com o Bagão Félix e o Sócrates, com o Teixeira dos Santos, e o problema não só não se resolveu como se agravou. Mais, durante quatro anos, tivemos o professor doutor economista Cavaco Silva a Presidente e nada. Tantos Primeiros-ministros e tantos Ministros das Finanças ao burro e o burro no chão. Mesmo com défices públicos abaixo dos 3% o endividamento externo nunca deixou de aumentar. É que o governo pode controlar o endividamento público. O que não pode é controlar o endividamento privado. Esse sim, é que disparou.

Nas últimas semanas começámos a acordar para o problema real. Era mais simples e confortável culpar somente os políticos. Se a culpa fosse só deles, a coisa resolvia-se. Mais tarde ou mais cedo vinha um que encontrasse a solução.

Só que a solução não é fácil e não depende só deles. Vamos todos ter que participar na resolução deste problema e, ainda para mais, a solução também não depende só de nós.

Voltarei a este tema se, entretanto, o euro não acabar e com ele a União Europeia. Prometo ser breve e ainda voltar a tempo.

quarta-feira, março 24, 2010

Bento XVI é de esquerda?

A encíclica de Bento XVI (“Caritas in Veritate”) é, na componente económica, um verdadeiro programa de esquerda. Quanto aos costumes, permanece a visão ultra-conservadora. Mas interessam-me mais, para aqui, as questões económicas e políticas, ou de economia política.

A Igreja Católica é uma instituição intemporal, que perdura, que tem o sentido da memória e que a preserva. E, sendo assim, percebe que a história se repete e que as condições para que hoje se repitam alguns dos maiores disparates estão aí. Como diz, a globalização não é boa nem má. É o que os homens quiserem fazer dela. Agora, a globalização faz de nós vizinhos mas não faz necessariamente de nós amigos. E se não fizer de nós amigos, então, podemos ter os inimigos logo ao pé da porta, ou, pelo menos, vizinhos barulhentos que não nos deixam dormir e que espanam os tapetes para a nossa varanda.

Os conflitos são hoje mais prováveis do que antes. A globalização aproximou-nos e se não for para o bem será, com toda a certeza, para o mal.

Admite, por outro lado, que o progresso é fundamental para a realização do ser humano em toda a sua plenitude. E o progresso aparece com um sentido também material. A expressão de “felizes os pobres, porque deles é o reino dos céus” parece remetida para o domínio do simbólico.

Também refere que o lucro não é um fim em si mesmo. O lucro tem que ser legítimo e legitimado do ponto de vista social. Isto é, o lucro é um instrumento para o desenvolvimento, assumido numa perspectiva humanista como o desenvolvimento de todos e de cada um de nós. Desse ponto de vista, devem existir múltiplos modelos jurídicos e económicos de empresas que permitam acabar com a separação, que cada vez tem menos sentido, entre as que visam o lucro e as que o não visam. Não se está a falar de terceiro sector. Está-se a constatar uma ampla e complexa realidade, que envolve o público e o privado e que não exclui o lucro, antes o considera como instrumento para realizar finalidades humanas e sociais.

A expressão “negócios éticos”, muito associada às questões da responsabilidade social das empresas, tem-se prestado a usura e a todos equívocos. A economia e finanças devem ser éticas não por qualquer rotulagem exterior, mas pelo respeito de exigências intrínsecas à sua própria natureza. Enquanto houver negócios éticos é porque admitimos que, por um lado, eles podem não o ser e que, por outro, aqueles que o são precisam de se afirmar como tal, o que abona pouco à própria ética (ou estética) dos negócios éticos.

Refere muito mais coisas “de esquerda”, ou pelo menos da “esquerda” como eu a entendo.

Vale a pena lê-la. É uma resposta política aos tempos que vivemos. É uma resposta que faz de Francisco Louçã um menino de coro.

domingo, março 14, 2010

Os economistas a pregar (no deserto)

Hoje ouvi um dos economistas do costume falar na rádio sobre o endividamento nacional. Falou da necessidade de os portugueses pouparem mais. E exortou-os mesmo a serem menos gastadores.

Em economia, poupança é o outro nome a que se dá a taxas de juro elevadas. Se, qualquer um de nós, tem dinheiro para comprar um carro novo, embora o carro actual ainda possa durar mais um ou dois anos, pode comprá-lo ou não. Mas se fizer as contas e descobrir que, se poupar o dinheiro que tem, ao fim desses dois anos já não tem dinheiro para comprar o carro, então, opta por o comprar já.

É o que acontece hoje. As taxas de juro reais que nos oferecem os bancos são muitas vezes negativas. Sendo assim, é gastar hoje porque, se não gastarmos hoje, amanhã temos menos dinheiro.

Em conclusão, o economista que ouvi não estava a falar como tal. Estava a pregar. Para isso há profissões mais adequadas.

sábado, março 06, 2010

Mais Lisboa, menos paisagem

Costuma-se dizer que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. Esta expressão presta-se a múltiplas interpretações. Mas todas elas traduzem a opinião generalizada de que existe um excessiva preocupação de todos os governos com a situação de Lisboa, entendida na sua expressão mais ampla de Lisboa-região ou de Área Metropolitana de Lisboa ou, mesmo, da antiga região NUTS II de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), em detrimento do resto do país.

As consequências dessa excessiva preocupação deram origem a um país macrocéfalo, onde se confundem os interesses de Lisboa com os interesses de Portugal. Esta excessiva concentração de pessoas, actividades e riqueza tem sido gerada por um ciclo vicioso.

Tudo começa por um modelo económico que espera de uma aposta continuada na concentração de investimento público em Lisboa, muito dele financiado pelos Fundos Estruturais, ganhos de competitividade de tal forma que, por mera difusão, o hipotético crescimento económico se alastraria para resto do país. Em termos espaciais, é como se na prática se admitisse que, por mancha de óleo, o progresso se difundiria para uma envolvente cada vez mais alargada que, no limite e por absurdo, transformaria Portugal numa mega Lisboa.

Este modelo não se revela auto-sustentável e sempre que acaba um ciclo de acumulação logo outro se tem que iniciar com mais investimento. Umas vezes aposta-se em auto-estradas, pontes e ferrovias, noutras em cultura e reabilitação urbana, noutras ainda no reforço e centralização do sistema científico e tecnológico. As apostas vão variando em nome das teorias da moda, que vão adquirindo nomes cada vez mais esotéricos.

O actual nível de endividamento externo também resulta deste modelo territorial. Desde 2008 que Lisboa passou a ser a região NUTS II mais aberta do país, ultrapassando a região do Norte. Mas passou a sê-lo não pelo aumento das exportações mas pelo acréscimo sistemático e maciço das importações.

O que isto tem revelado é um efeito de “crowding out” esmagador sobre outros territórios nacionais e sobre as actividades económicas que aí existem e as que aí se poderiam desenvolver. O resultado é o estreitamento cada vez maior da base territorial de suporte à competitividade nacional e a estagnação da actividade económica em Portugal, que já dura há uma década.

Apesar de um ou outro trabalho académico, tem faltado evidência empírica que permita desmontar esta autêntica fraude económica. Um recente trabalho de Alfredo M. Pereira e Jorge M. Andraz (“Investimento público e assimetrias regionais”) lança alguma luz sobre este assunto. Estes autores, a partir do investimento público em infra-estruturas de transporte realizado durante o período de 1980 a 1998, quantificam os seus efeitos de “spillover” sobre o investimento privado, produto e emprego nas diversas regiões NUTS II.

Concluem, então, que os efeitos de “spillover” beneficiam sobretudo LVT. Por um lado, apresenta, face a todas as outras regiões NUTS II, os maiores efeitos de “spillover” do investimento que aí se efectiva, com excepção do efeito no investimento privado (que apresenta mesmo um valor negativo; o que parece corroborar hipótese da existência de “crowding out”). Por outro, apresenta os maiores efeitos de “spillover” do investimento público efectuado nas outras regiões NUTS II. Mais, os efeitos de “spillover” em LVT dos investimentos realizados fora desta região NUTS II são maiores do que aqueles que resultam do investimento público que aí se localiza.

Estes dados permitem aos autores afirmarem que o “investimento público tem contribuído fortemente para a concentração da actividade económica em LVT e, consequentemente, tem contribuído marcadamente para a macrocefalia do país”.

Na Região do Norte passa-se exactamente o contrário. Os efeitos de “spillover” do investimento público efectuado nesta região NUTS II são superiores aos que resultam dos investimentos realizados fora dela. É a que regista maior efeito ao nível do investimento privado do investimento público realizado. O investimento público realizado noutras regiões do país tem um efeito negativo sobre o produto desta região NUTS II. Com base nestes resultados, os autores sublinham que a “Região do Norte parece ser a grande perdedora”.

Face a estas conclusões, os autores deixam um alerta para que não se projectem “programas de convergência nacional à custa das assimetrias internas”.

Contra estas evidências o governo português afirma e faz o contrário no QREN. Pelos visto, para ele, não é o investimento realizado noutras regiões que gera efeitos de “spillover” em Lisboa. É o investimento realizado em Lisboa que gera efeitos de “spillover” sobre o resto do país. Assim, não lhe chegou atribuir a Lisboa praticamente a esmagadora maioria dos recursos a financiar pelo Fundo de Coesão, como negociou com a Comissão Europeia, com sucesso, o desvio dos outros Fundos Estruturais (a aplicar nas regiões de “convergência” do Centro, Alentejo e Norte) para Lisboa.

E o ciclo vicioso continua. Até quando?

segunda-feira, março 01, 2010

Entre Maomé e a montanha está Vítor Bento

Esta coisa de se desvalorizar uma moeda que não emitimos é um exercício que tem que se lhe diga. Neste caso, não é Maomé que vai à montanha mas é a montanha que vem a Maomé; que, como imaginam, é um exercício bastante difícil e de resultado, pelo menos, incerto. Não se podendo desvalorizar a moeda, aproximando-se a taxa de câmbio nominal da real, então, altera-se a relação entre preços internos e preços externos, ajustando-se a taxa de câmbio real à nominal.

Vítor Bento lança-se nesse exercício teórico para resolver a o défice das contas-correntes portuguesa. Apresenta, no seu livro “Perceber a crise para encontrar o caminho”, a lista de medidas que se espera: redução nominal dos salários e dos preços dos bens e serviços não transaccionáveis.

Uma solução deste tipo, ainda para mais numa situação de crise como a que vivemos, tende a gerar uma espiral deflacionária. Vítor Bento sabe disso e nesse seu exercício teórico prevê tudo. Candidamente, informa-nos que “teria que ser cuidadosamente previsto um mecanismo de aceleração do ajustamento de preços”. Por esquecimento, digo eu, não nos esclarece que mecanismo seria esse.

Eu, humildemente, penso que sou capaz de imaginar esse mecanismo. Sem política monetária e cambial, esse mecanismo seria a revogação das medidas teóricas propostas por Vítor Bento uma por uma depois de aplicadas.

Aprecio particularmente estes exercícios teóricos. Quem os faz ganha sempre. Avisa os outros do que têm pela frente. Se tudo correr pelo melhor, ainda bem que avisaram. Se tudo correr pelo pior, foi porque não lhes deram ouvidos. E, assim, evitam levar os seus raciocínios até ao fim e pôr as mãos na massa.

domingo, fevereiro 28, 2010

Os economistas sabem o que dizem, os portugueses é que não prestam

Os economistas “standart” querem-nos fazer crer que podemos desvalorizar uma moeda que não temos. Segundo eles, produzimos internamente todos os efeitos que uma desvalorização comporta e, assim sendo, podemos continuar alegremente no Euro tal e qual como ele hoje se apresenta (com o orçamento comunitário que temos, sem a Comissão Europeia poder emitir dívida pública, com um BCE independente, mas com um presidente indicado pelos de sempre, e sem qualquer outro objectivo que não o dos 2% de inflação, etc). A receita é a esperada: cortamos nos salários, nos preços, etc, etc, etc. Se Deus quiser, não teremos uma espiral deflaccionária.

Ninguém nos explica como é que fazemos para repor a competitividade externa - é que uma desvalorização "à séria" (quando se tem moeda própria) produz algum desse efeito. Ou melhor, falam-nos em reformas estruturais.

Nunca sabemos bem o que são as famosas reformas estruturais. Sabemos que, quase sempre, andam à volta da redução dos salários e da precarização e degradação das condições laborais. Esse caminho, que Portugal vem percorrendo há, pelo menos, uma década, não produziu nenhuns resultados positivos; muito pelo contrário. Então o que faz falta? Mais reformas estruturais.

E isso nunca vai acabar ou quando acabar, como na história do burro que, quando se tinha desabituado de comer, morreu, vão-nos dizer que as reformas não estavam erradas e que tudo isto se deve a um defeito da raça.

sábado, fevereiro 27, 2010

Vamos entregar ao mercado a democracia?

Uma vez mais tivemos um exemplo da forma como (não) funciona o mercado em Portugal. Numa audição parlamentar, o director de um jornal afirmou que foi coagido a não efectuar uma notícia a troco da resolução dos seus problemas bancários.

Muitos de nós, já pedimos um empréstimo bancário para aquisição de casa própria. Pediram-nos em troca simplesmente garantias de o podermos pagar. Isto é, o banco procura assegurar que os nossos projectos de vida, no qual se inclui a compra de habitação própria, é suficientemente viável do ponto de vista económico-financeiro para que, mais tarde, não venha a ter problemas com o reembolso desse empréstimo. Nada mais nos é pedido.

Pelos vistos, esta lógica de funcionamento bancário não se aplica a todos. Se assim fosse, o director do jornal não poderia ser coagido. Sendo rentável o seu jornal, se um banco não assegura o financiamento desse projecto empresarial, outro estará sempre disponível para o fazer. Se não for rentável, então, nenhum banco está disponível para o financiar. Ponto final parágrafo; ou, pelo menos, é isso que nos procura ensinar a economia “standart”.

A ser verdade o que afirma esse director, as coisas podem não se passar exactamente assim. Ora, isso diz-nos muito da fragilidade do projecto empresarial onde assenta o seu jornal. Depois, diz-nos muito sobre a forma como funciona o mercado financeiro.

Estamos em presença, pois, de mais um exemplo da forma como não funcionam eficientemente os mercados. Ou então sobre a forma como eles funcionam; mas, se assim for, esse modo de funcionamento tem um nome feio.

Se esta situação for generalizada, como se vai afirmando por aí, temos muito a temer pela democracia em Portugal. Será que os projectos de “media” para serem financiados precisam de assegurar algo mais do que a sua rentabilidade actual e/ou futura? A ser afirmativa a resposta, a quem asseguram esse “algo mais”?

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Aprendamos com Keynes

Estou completamente de acordo com Vasco Leite. O investimento público tem efeito multiplicador significativo se existirem fronteiras. Só que, hoje, as fronteiras não são as dos estados-nação, tal como foram pensados a partir da Revolução Francesa, mas, pelo menos, as de certos blocos regionais, como as da União Europeia. Isso obriga a cooperação, no mínimo, entre os estados-nação dentro de cada bloco. Essa cooperação pode passar, no caso da UE, por um orçamento comunitário mais robusto e/ou pela emissão de dívida por parte da Comissão Europeia (evitando ataques especulativos aos países mais frágeis e reduzindo os custos dos, actualmente famosos, Credit Default Swaps).

Se assim não for, a situação de crise não tem saída no contexto actual. Hoje a globalização tem uma expressão que não teve noutros contextos históricos. Mas, historicamente, esse processo teve avanços e recuos. O caso da primeira guerra mundial explica muito bem como é que de uma época de prosperidade sustentada em crescentes trocas comerciais se degenerou para um período de conflito e, depois, no regresso a todos os nacionalismos e ao fim de muitas democracias.

Keynes percebeu isso melhor do que ninguém e expressou-o em vários textos (a Relógio d'Água editou recentemente uma colectânea de textos dele, onde analisa o período que antecedeu a primeira guerra mundial e as consequências do Tratado de Versalhes).

Aprendamos com Keynes, que é uma outra forma de aprendermos com a economia e com a história.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Keynes ainda faz sentido?

Depois desta crise há um debate relativamente ao impacto que o investimento público terá na recuperação da economia, num contexto em que as economias são mais globalizadas, e por isso, mais propensas às importações. Argumenta-se que perante um aumento da procura resultante do investimento público num determinado país, os efeitos sobre o produto são escassos porque parte significativa dessa procura é satisfeita por via do aumento das importações. Por outro lado, as economias Keynesianas dos anos 50 e 60, sendo economias tipicamente fechadas, nas quais o comércio internacional era escasso, o efeito do investimento público na produção era bastante mais acentuado, pelo que se argumenta que a política pública era mais eficaz nessa época.

Este debate sendo interessante é inócuo no seguinte ponto. Actualmente deixa de fazer sentido falar-se no efeito multiplicador do investimento efectuado por um único país, sendo urgente discutir o impacto nesse país do investimento efectuado por todos os outros países, num cenário de cooperação e planeamento.

O seguinte exemplo é muito claro. Consideremos Portugal e Espanha no nosso exemplo. Se Portugal aumentar o investimento, isso gera um acréscimo na procura que é satisfeita em parte pelas importações oriundas de Espanha. Mas se Espanha aumentar também o seu investimento, isso gera um acréscimo na procura que será satisfeita por importações oriundas de Portugal. Em ambos os casos, o aumento do investimento de cooperação provoca o aumento do comércio internacional, o que origina um aumento da produção nos dois países, o que não aconteceria se fosse um único país a dar um choque positivo no investimento.

Por isso, é urgente passar da análise do efeito multiplicador isolado, para o efeito multiplicador da cooperação à escala multi-regional. Se a globalização aumenta a integração das economias, parece claro que a transmissão desses efeitos entre os países é mais significativa. Parece paradoxal mas, nas economias o que a globalização abriu, a cooperação voltará a fechar, recuperando-se em parte os efeitos keynesianos de quando as economias eram um pouco mais fechadas. Não é por acaso que actualmente se fala em cooperação ao nível internacional relativamente às políticas públicas, sendo esta temática muito abordada durante a crise que estamos a viver. Parece que estamos a voltar ao tempo do planeamento económico. Espero bem que sim.

Vasco Leite
Economista

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Saber fazer políticas públicas

As políticas públicas são enunciadas em termos gerais pelos políticos. Por detrás desse enunciado estão sempre um conjunto de dispositivos técnicos, financeiros e institucionais que as permitem concretizar.

Quem o define e aplica são pessoas concretas: “policy makers”, gestores, técnicos, etc. A sua definição e aplicação pressupõe que quem o faz é capaz de lhe dar resposta como hipotético beneficiário. Isto é, quem estabelece em concreto estes dispositivos e os aplica tem que se colocar na posição dos beneficiários das respectivas políticas. A pergunta certa a que deve procurar responder é: se eu fosse um dos potenciais beneficiários do(s) público(s)-alvo a que se destina uma política seria capaz de concorrer com sucesso ao respectivo apoio público?

Enfim, quem planear e/ou gerir políticas públicas e não for capaz de responder a esta questão relativamente a cada uma das polícias que propõe e/ou gere, então, não sabe o que faz. É que, neste campo, saber fazer é uma das principais formas de saber. De outra forma, é como se fosse possível a um professor fazer um exame colocando perguntas a que não sabe responder.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

O poder das ideias simples

“In the summer of 1976 I got a first taste of the policy world myself, as part of a small group of MIT students sent to work for the central bank of Portugal for three months. At the time Portugal was in considerable chaos, in the aftermath of a revolution and an attempted coup; much of the challenge was simply to figure out what was going on. What I learned from that experience was the power of very simple economic ideas and simultaneously the uselessness of theories that cannot be given operational content. In particular, my experience in a country in which it was a major challenge even to decide whether output was rising or falling gave me a lasting allergy to models that tell you that a potentially useful policy exists without giving you any way to determine what that policy is.”

Paul Krugman

Uma frase merece um sublinhado face a tudo o resto. Em Portugal, durante o período conturbado do pós 25 de Abril, tinham mais poder as ideias económicas simples do que, propriamente, as teorias que, nesse contexto histórico, não tinham qualquer utilidade prática.

No 25 de Abril como hoje as ideias simples são as melhores. Deixo aqui uma ideia simples, no actual contexto histórico, de Pedro Lains escrita no Jornal de Negócio esta semana:

“O crescimento não vem de reformas [estruturais], vem do trabalho, do investimento, da tecnologia e da inovação. Ponham em cima da mesa um caso de crescimento com base em reformas estruturais e, quando virem que não conseguem, chegarão [a esta] mesma conclusão"

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Subitamente no Verão passado ... (Conclusão)

Este estudo de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira permite-nos tirar conclusões muito interessantes. Aqui vão um par delas:

1. Os trabalhadores não qualificados do sector público ganham bastante mais do que os seus congéneres do sector privado. É pena que o estudo não tenha avançado mais nesta análise;

2. O peso dos não qualificados no sector privado, comparativamente ao do sector público, é esmagador. Os trabalhadores não qualificados do sector privado ganham muito pouco. Em regra, ganham o salário mínimo ou pouco mais. Mais, a desigualdade salarial no sector privado é enorme. Isto diz muito sobre o perfil de especialização da economia portuguesa e sobre o que somos e o que queremos ser como país;

3. Os trabalhadores da Administração Pública que dispõem de licenciatura ganham mais à entrada, mas a sua progressão na carreira é muito mais lenta. Só que nos últimos anos têm entrado muito poucos funcionários Assim, se é verdade que os trabalhadores do sector privado ganham menos no início, passado alguns anos os seus salários ultrapassam os do sector público;

4. Os salários de uns e outros estão correlacionados, o que não é novidade. Os níveis salários do sector público influenciam os do privado e vice-versa;

5. As profissões que só existem na Administração Pública ou que são dominantes no mercado de trabalho têm níveis salariais superiores aos das profissões do sector público que estão em concorrências com as do sector privado (licenciados em engenharia, direito e economia);

6. Essas profissões são mais mal pagas no sector público do que no privado e esse diferencial acentua-se ao longo do tempo. Na prática, o sector público não é concorrencial com o privado para este perfil de trabalhadores;

7. Este estudo não incorpora todas as alterações verificadas desde 2005. Em 2006, 2007 e 2008 verificaram-se perdas de salários reais na função pública, que só muito parcialmente foram compensadas em 2009;

8. Também durante este período, foi alterado o regime contratual da função pública. O regime de nomeação foi substituído pelo contrato de funções públicas, que configura uma precarização do vínculo contratual e, em geral, uma equiparação desse vínculo ao previsto para todos os restantes trabalhadores (estabelecido no Código do Trabalho);

9. Nesse processo, as progressões na Administração Pública foram significativamente restringidas. As progressões obrigam a uma acumulação de 10 pontos nas sucessivas classificações de serviço anuais, sendo que, por um lado, as classificações de “Bom”, “Muito Bom” e “Excelente” asseguram, respectivamente, pontuações de 1, 2 e 3 e, por outro, as classificações de “Muito Bom” e “Excelente” não podem ultrapassar, respectivamente, 20% e 5%. Em média, um trabalhador da função pública vai precisar de 8 anos para progredir para a categoria seguinte; podendo esse período atingir, no limite, os 10 anos;

10. O Recenseamento Geral da Administração Pública incorpora todos os funcionários que trabalham para o Estado independentemente do tipo de vínculo. A maior parte dos cidadãos imagina que todos s que trabalham para o estado o fazem com contratos estáveis. Não é assim. Uma percentagem muito significativa desses funcionários, em especial dos mais novos, dispõe, simplesmente, de contratos a prazo.

Em suma, este estudo é muito interessante e só foi pena que os seus autores optassem aqui e ali por um estilo panfletário. Esse registo só permite que, colectivamente, vamos exprimindo o nosso pior defeito: a inveja. Os salários de ambos os sectores estão estreitamente relacionados. Não é por os salários dos funcionários públicos serem piores ou por estes terem piores condições de trabalho que os trabalhadores do sector privado ficam melhor. Também se os salários dos trabalhadores do sector privado e as suas condições de trabalho se degradarem, os funcionários públicos não ficam melhor. Muito pelo contrário.

Esta disputa, colocada neste termos, só interessa aos patrões e administradores de empresas que querem cada vez mais pagar menos aos seus trabalhadores. A inteligência ou, sobretudo, a falta dela não é património dos trabalhadores do sector público ou do privado. Como nos diz Carlo Maria Cippola, a estupidez está subestimada no universo humano. Há sempre mais estúpidos do que imaginamos. Para este autor, um estúpido é alguém que produz danos a outro ou outros sem que daí retire qualquer benefício, pelo contrário, gerando prejuízos a si próprio também. Quem é que quer continuar a ser estúpido?

Subitamente no Verão passado ... (Parte V)

A seguir os autores passam a comparar aquilo que, aparentemente, é comparável. Começam por excluir deste exercício as funções que só existem no Estado (juízes, magistrados, diplomatas, etc). Dos restantes licenciados da Administração Pública, separam-nos em dois grupos. O primeiro agrega as profissões em que o Estado é o empregador dominante, embora também existam no sector privado, como: médicos, enfermeiros, professores do ensino básico, secundário e superior. O outro abrange os profissionais que estão bem representados em ambos os sectores, tais como: engenheiros, economistas, informáticos e juristas.

Os do primeiro grupo, na média, auferem mais do que os seus congéneres privados (+27,5%). Face a isto, os autores referem que este diferencial pode ser um indicador de que estas profissões não são completamente compráveis nos dois sectores. Sublinham, a este propósito, as áreas da saúde e do ensino superior, onde muitos dos seus profissionais públicos desempenham funções particularmente exigentes em termos de qualificações, as quais não têm correspondência no sector privado. Os salários que estes funcionários públicos auferem também reflectem, por sua vez, o seu poder negocial, decorrente da importância social das suas funções e do papel dos seus sindicatos.

Quanto aos outros, a situação é completamente inversa. Na média, um engenheiro, um informático, um jurista ou um economista da função pública ganha menos, respectivamente, -4,3%, -13,8%, -1,1% e – 18,6% do que um trabalhador com idênticas habilitações no sector privado. Este diferencial no terceiro quartil passa para -19,1%, -26,3%, -21,8% e – 36,6%.

Este diferencial ocorre, ainda por cima, sem se tomarem em consideração “compensações em espécie e outros benefícios, que têm particular relevâncias no sector privado”.

Se for licenciado em engenharia, direito ou economia e se alguém lhe vier falar dos privilégios da função pública, esfregue-lhe com este números na cara.

Todas as partes estão analisadas. Talvez falte uma síntese global. É o que iremos fazer a seguir.

(continua)

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Subitamente no Verão passado ... (Parte IV)

Face à importância na explicação dos resultados globais, os autores passam, no momento seguinte, a efectuar uma análise comparativa dos trabalhadores licenciados nos sectores privado e público. Continua-se, mesmo neste exercício, a meter no mesmo saco profissões que só existem no Estado, que não têm qualquer paralelo no sector privado (magistrados judiciais e do Ministério Público, diplomatas, etc), e outras em que esse mesmo Estado tem um papel dominante no mercado de trabalho (professores universitários e do ensino básico e secundário, médicos, enfermeiros, etc), não existindo, propriamente, condições para a existência de concorrência entre salários.

Neste exercício, verifica-se que no início da carreira a Administração Pública paga melhor. No entanto, passado muito pouco tempo esse diferencial deixa de existir e são os trabalhadores do sector privado que passam a auferir muito mais, sobretudo a partir de 10 anos de experiência profissional.

Também existe um dado curioso. É verdade que os funcionários públicos têm um prémio à entrada em relação aos do privado. Só que, simplesmente, quase não têm sido admitidos novos licenciados na Administração Pública. Aquilo que é uma vantagem teórica acaba por não se concretizar na prática. Essa perda de importância do Estado como empregador de licenciados não deixa de ter consequências sobre os salários pagos no sector privado. Como sublinham os autores, “as empresas, ao terem de concorrer menos por estes trabalhadores, terão baixado o salário de entrada”.

Enfim, há cada vez mais licenciados. O Estado não só não tem acompanhado este aumento da oferta como está mesmo a diminuir as suas admissões. O sector privado, face a isto, tem vindo a diminuir os salários à entrada. Mesmo assim, passados alguns anos, os licenciados do sector privado auferem salários superiores aos dos seus congéneres públicos.

Mais uma parte resolvida. Mas vêm aí mais reflexões interessantes.

(continua)

domingo, fevereiro 14, 2010

Subitamente no Verão passado … (Parte III)

Chegamos ao ponto que mais foi sublinhado pela imprensa. Os funcionários públicos ganham muito mais que os seus congéneres privados. O diferencial, em 2005, já ia nos 75%.

Embora se procurem compatibilizar as categorias dos trabalhadores da Administração Pública com as do privado, reclassificando os primeiros de acordo com a Classificação Nacional de Profissões, exercício algo arbitrário quando se sabe que muitas das funções públicas não têm equivalência no privado (juízes, magistrados, polícias, etc) e que outras são dominantes (médicos, enfermeiros, professores universitários, etc), um dado suscita, logo, algumas dúvidas quanto à própria legitimidade da comparação. Enquanto na Administração Pública cerca de 50% dos trabalhadores dispõem de formação universitária, no sector privado essa proporção é de 10%.

Seria mais ou menos o mesmo que, com todos os ajustamentos necessários, proceder à comparação dos salários dos investigadores do Banco de Portugal que efectuaram este estudo com os dos trabalhadores da pastelaria da esquina que lhes servem o primeiro café da manhã.

O que é mais impressionante nestes dados, mais do que o tal diferencial de remunerações, é a qualificação dos trabalhadores do sector privado (e o que ela revela sobre o seu perfil de especialização) e os baixos níveis de remunerações que usufruem. A mediana dos salários no sector privado é de 626 € e, mais do que isso, a sua “distribuição encontra-se bastante concentrada em torno do salário mínimo nacional”. Os salários do sector privado têm uma grande concentração no primeiro quartil e uma estrutura unimodal, já os do sector público têm uma menor concentração, apresentando uma distribuição plurimodal, de acordo com a diversidade das carreiras existentes.

Em conclusão, a grande notícia não é o diferencial dos salários entre os sectores público e privado. A grande notícia pode ser qualquer uma destas: (i) o baixíssimo nível de qualificação dos trabalhadores do sector privado e das suas remunerações (muito próximas do salário mínimo nacional), (ii) a elevada desigualdade salarial neste mesmo sector. Qualquer uma delas dá-nos informações muito importantes sobre o que somos. Sobre o perfil de especialização do sector privado em Portugal e do seu contributo para um dos níveis de desigualdade social mais elevados da União Europeia.

Quanto a esta parte, estamos conversados. Vamos passar a comparar aquilo que é comparável. As surpresas vêm aí.

(Continua)

domingo, fevereiro 07, 2010

Subitamente no Verão passado … (Parte II)

Este mesmo trabalho referia que não só os funcionários públicos ganhavam mais que os seus congéneres privados como esse diferencial se tinha agravado em 25 pp de 1999 a 2005. Sabendo-se que durante esse período, na função pública, houve de tudo para se evitar o aumento dos salários em termos reais e, mesmo, nominais (congelamento de salários e carreiras nuns anos e em várias categorias profissionais, progressões limitadas a avaliações de desempenho de “excelente”, reduzidas a uma quota de 5%), esta conclusão não deixava de suscitar uma certa perplexidade.

A ser verdade isto, então, durante este período, ter-se-iam registado em Portugal reduções nominais de salários no sector privado. Isto não é possível e, simplesmente, não aconteceu. A explicação vem um pouco à frente. Com efeito, os autores confirmam que a cobertura dos dados do sector privado tem vindo a aumentar, passando a incluir, nos Quadros de Pessoal, uma “maior número de empresas de pequena dimensão, às quais estão normalmente associada uma penalização salarial”.

Enfim, efectuaram-se duas comparações em dois momentos no tempo que não são metodologicamente aceitáveis. Compararam-se duas coisas que não são comparáveis. Os autores sabem bem disso. Porque é que o fizeram, ainda para mais, em nome do Banco de Portugal? Mistério…

Quem quer um “think tank” neoliberal deve-o pagar. Colocar todos os portugueses a pagá-lo parece-me um abuso.

Quanto a esta parte, também estamos conversados.

(continua)

sábado, janeiro 23, 2010

Subitamente no Verão passado …. (Parte I)

… surgiu uma notícia em todos os jornais onde se afirmava, citando o trabalho de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira (“Salários e Incentivos na Administração Pública em Portugal”) do Banco de Portugal, qualquer coisa como “os salários da administração pública são cerca de 75% superiores aos dos que se praticam no sector privado, tendo o diferencial aumentado 25 pp. de 1999 a 2005”. Os trabalhos que tiram este tipo de conclusões têm sempre boa imprensa. É que, contrariamente aos restantes cidadãos, os funcionários públicos são uns malandros e uns privilegiados e é preciso denunciar isso.

Vamos por partes.

O estudo começa por afirmar que “a Administração Pública […] é a entidade empregadora de cerca de um quinto da mão-de-obra nacional”, não se explicando onde é que isto empiricamente se encontra sustentado. Aparentemente, os autores limitaram-se a dividir os funcionários identificados no Recenseamento Geral da Administração
Pública com um total, que resulta da soma destes funcionários com os trabalhadores por conta de outrem que constam dos Quadros de Pessoal. Como se sabe, um recenseamento (como o Recenseamento Geral da Administração Pública) abrange todo o universo e, portanto, identificaram-se todos os funcionários públicos. Os Quadro de Pessoal incluem só uma parte dos trabalhadores por conta de outrem (entre 50-70%) e excluem todos aqueles que trabalham por conta própria (profissionais liberais, empresários em nome individual, patrões, etc). Isto é, dão conta de uma só parte do universo.

Para se ser rigoroso, como é que essas contas devem ser feitas? Simplesmente, dividindo o número de funcionários identificados, em 2005, no Recenseamento Geral da Administração Pública (737,8 mil) pela população activa (5.544,9 mil)em 2005. Se assim fizermos, verificamos que os funcionários públicos representam 13,3% da população activa, isto é, "cerca de um oitavo". Mas, se quisermos obter dados mais negativos, podemos sempre dividir esse número de funcionários pelo número de empregados em 2005 (5.099,9 mil). Se assim fizemos, verificamos, agora, que os funcionários públicos explicam 14,5% do emprego total, isto é, "cerca de um sétimo".

Bem, quaisquer que sejam as contas, os funcionários públicos representam entre um sétimo a um oitavo do total, conforme nos referimos ao emprego ou à população activa.

Porque é que os autores falam em “cerca de um quinto”? A expressão “cerca”, num "rigoroso" trabalho académico, acaba por revelar todo um programa político. Convém deixar claro que os malandros dos funcionários públicos para além de ganharem mais do que os outros, ainda por cima, são muitos.

Quanto a esta parte, estamos conversados.

(continua)

sábado, janeiro 16, 2010

Os anos 70 “é que botam” (como diz a minha filha)

O “post” que efectuei sobre a música dos anos 80 acabou por dar que pensar. Na minha idade, já posso dizer que o presente que nos foi dado viver é sempre melhor que o passado. Quando vivi esses anos 80, achava aquilo tudo uma chatice e afirmava que gostaria de ter vivido nos anos 60 com aquela idade. Agora vejo os de 60 com reumatismo e verifico como era estúpido.

Mas, os anos 80, em Portugal, foram um pouco diferentes. Foi quando se consolidou definitivamente a democracia, sem qualquer tutela militar, por um lado, e medo do regresso da ditadura, por outro. Extinguiu-se o Conselho da Revolução, elegeu-se o primeiro Presidente da República civil (Mário Soares) e permitiu-se que um Governo Constitucional, pela primeira vez, conclui-se o seu mandato.

Estas mudanças foram acompanhadas não só de uma outra forma de participação cívica e política de quem era mais jovem (muito estavam a votar pela primeira vez) mas também de uma nova estética. As músicas que ilustram o tal “post”, naquela época, tinham que ver, exactamente, com a forma como uma certa juventude universitária via a política, a sociedade e, mesmo, a sexualidade (muitos vinham do “apartheid” sexual nas escolas; meninos para um lado, meninas para o outro). Deste ponto de vista, estas músicas tinham um grande significado; nem todos as ouviam e nem todos gostavam delas. Muitas delas funcionavam, mesmo, como formas de diferenciação e de criação da consciência de “classe”. Convenhamos que o culto do “underground” do Cais do Sodré dava uma certa “patine” de intelectual de esquerda.

Hoje, algumas delas, são clássicos da música “pop” e “rock”, sem essa carga simbólica. Provavelmente, ainda bem.

Agora, nos anos 70, para mim e para os da minha geração, as músicas eram só músicas. Gostávamos delas porque passavam nas primeiras discotecas onde fomos às matinês e nas festas de garagem. Eram só isso; por outras palavras, ajudaram a crescer e a ser adolescente.

Aqui vai, pois, uma lista delas (há uma ou outra pequena batota). Depois de as ouvir, quem não sentir um frémito a percorrer-lhe a espinha que atire a primeira pedra…



















domingo, janeiro 10, 2010

Crise financeira: isto anda tudo mais ligado do que parece

Martin Wolf (“A reconstrução do sistema financeiro global”) tem o mérito de nos explicar o funcionamento do sistema financeira de forma simples e, em especial, de nos explicar com clareza as relações entre os seus níveis macro e micro.

O sistema financeiro não é mais do que um amontoado de promessas. Paga-se hoje e espera-se que amanhã as promessas, contra as quais foi efectuado esse pagamento, se cumpram. Mais, o sistema de promessa é de tal maneira complexo que, nesta altura, paga-se hoje em função de promessas de promessas.

Isto tudo assenta numa palavra: confiança. O Estado tem, aqui, um papel central. Sem a garantia dos depósitos, o sistema financeiro obrigaria, por exemplo, a bancos mais capitalizados, a um “gap” entre pagamentos e recebimentos menor, a taxas de juro mais elevadas, etc. Enfim, existiria menos confiança.

Quando se instala a crise, como a actual, a pirâmide de promessas desmorona-se como um castelo de cartas. Como se verifica, muitas das dívidas das instituições financeiras, como os bancos, acabam por ser dívida pública contingente: a indústria financeira privatiza os lucros e socializa os prejuízos, sempre que esses prejuízos colocam em causa a sua liquidez.

Mas, muitas crises, como a actual, têm razões fundas que se prendem com significativos desequilíbrios macroeconómicos globais. Existe excesso de poupança em muito países emergentes e em outros países desenvolvidos (como a Alemanha e o Japão) e essa poupança tem permitido um afluxo de capitais para o EUA sem precedentes. O caso da China é o mais paradigmático. Apresenta níveis de poupança de cerca de 60% do PIB. O investimento é muito elevado mas, mesmo assim, situa-se nos 50% do PIB. Esse investimento (mas não só) gera crescimentos do produto de dois dígitos. O consumo doméstico anda na ordem dos 40% do PIB, com tendência para diminuir. Isto tudo gerou, em 2006, um excedente das contas correntes da China de 9,1% do PIB.

Essa drenagem de poupanças para o EUA tem vindo a gerar um défice crescente da sua Balança de Transacções Correntes. Este défice das suas contas-correntes não tem servido para incrementar o investimento mas para estimular o consumo privado, produzindo, por sua vez, baixos níveis de poupança.

Este défice das contas-correntes acaba por gerar uma série de (aparentes?) “almoços grátis” americanos. A sua economia continua a ter capacidade para absorver de forma, mais ou menos, duradoura esses capitais. As dívidas contraídas são, ainda por cima, denominadas em moeda local (Dólar). Assim, os EUA têm a vantagem de poderem, por si só, controlar e reduzir o nível de dívida, bastando, para tal, desvalorizar a sua moeda. Como a sua economia nem sequer é demasiado aberta, uma política deste tipo não tem, propriamente, efeitos inflacionários por aí além. [O problema seria de quem lhes emprestou o dinheiro que, de repente, ficaria sem uma parte importante dele. Só para assustar ainda mais, aparentemente, uma desvalorização de 40% do dólar permite resolver o problema do défice das contas-correntes americano; só que, também, a paridade do dólar em relação ao Euro (cerca de 2 Dólares para cada 1 Euro) tornar-se-ia insustentável para os países da União Europeia e, em especial, para os da Zona Euro].

O recurso a produtos financeiros de risco cada vez mais elevados nos EUA, como o “subprime”, tem que ver com esse excesso de financiamento. Era preciso, pois, criar condições para continuar a alimentar os gastos das famílias. Se não fossem elas, sem grande dinâmica de investimento privado, o défice federal tinha que ser ainda muito maior do que é.

Em conclusão, excesso de poupança num lado (China, Alemanha, Arábia Saudita, etc) gera excesso de capitais no outro (EUA) e uma coisa é consequência da outra e vice-versa. Não se consegue saber bem é se pesa mais o facto de os EUA gastarem muito e pouparem pouco ou o facto de os outros pouparem muito e gastarem relativamente pouco.