sábado, março 27, 2010

Chorar

Descobri por acaso num blogue a referência à interpretação de Jane Birkin do prelúdio nº4 da op.28 de Chopin. É uma das peças mais tristes que me foi dado ouvir. Quem é que não se consegue emocionar com ela? Vêm-nos à cabeça todas as imagens do passado. Mas vêm-nos com uma sensação de perda. Vêm-nos como um caminho para o fim.

Comecemos por Chopin.



Ouçam a interpretação de Jane Birkin.



Lembram-se dela? Do tempo em que todos sabíamos francês. Que nos cresciam borbulhas. Que tudo era definitivo. Quem não se lembra do lado B do "single" vai-se lembrar do lado A. Ouçam.



Não sei se choraram à primeira, à segunda ou à terceira. Eu chorei das três vezes, para dentro, que é como dói mais.

quinta-feira, março 25, 2010

Vale mais uma má moeda na mão do que duas boas a voar

A economia, a boa, a da Bayer, sempre nos fez crer que acréscimos de produtividade relativa de uns países face a outros geravam ajustamentos do lado dos salários e da taxa de câmbio que, mais tarde ou mais cedo, reporiam os equilíbrios das contas-correntes entre eles. Nesse mundo, tudo é simples.

O raciocínio tem toda a lógica. Só que a lógica nem sempre preside ao governo do mundo.

Vá-se lá saber porquê, na economia mundial persistem profundos desequilíbrios macroeconómicos que não há maneira de se corrigirem. Existe excesso de poupança de um lado e excesso de dívida do outro. É tão problemático o excesso de poupança como o excesso de dívida. Por razões morais, valorizamos a poupança. Mas só por isso. Em economia, a poupança só tem sentido se alguém estiver disponível para a mobilizar para fins produtivos, de preferência, ou consumo.

A Europa e, em particular, a zona euro são um caso particular desses desequilíbrios. Os países periféricos da zona euro caíram numa armadilha que não tem saída à vista. Convenceram-se, mal, que no euro deixavam de ter problemas de défice das suas contas-correntes. Ouvi vários economistas afirmarem, no tempo de todos as utopias, que essa coisa da BTC de um país deixava até de fazer sentido.

O problema começou há muito tempo atrás. Com a reunificação, os esforços de reconstrução da Alemanha do Leste impuseram um custo acrescido a todos os países por via do aumento das taxas de juro. Isto é, uma decisão política de um país impôs custos brutais a outros.

Na altura, argumentou-se que não havia remédio. Mas para que, aparentemente, tal não se repetisse, fez-se o negócio do euro. A ideia era simples mas ingénua. Já que se tem que seguir a política monetária da Alemanha, quer se queira, quer não, então, o melhor é criar uma união monetária com ela. A ideia era que, participando todos da mesma moeda, poder-se-ia ter uma política monetária que mais conviesse a todos. Ouvi muitos argumentos desse tipo. Ninguém cuidou de saber se era possível ter uma mesma moeda e uma mesma política monetária que satisfizesse países com níveis de desenvolvimento muito distintos. Aparentemente, não havia outra solução.

O confronto com a realidade, em Portugal, começou aos poucos. Ao princípio, não se deu conta do que estava a acontecer. O processo de convergência nominal estava a correr bem e ninguém se preocupou com o endividamento externo. E ele podia não ser o que é hoje. Sem a entrada da China na OMC e a globalização, a troca de carros, máquinas, material eléctrico e electrónica por sapatos, camisolas e turismo talvez resolvesse, pelo menos em parte, o problema.

Mas o problema estava lá. Primeiro começou pela queda da poupança a partir do início dos anos 90, com a adesão ao SME. Durante um par de anos, o afluxo de capitais (Fundos Estruturais e IDE, ainda para mais com forte potencial exportador), compensou essa queda e iludiu o problema. Com a estabilização dos fluxos de Fundos Estruturais e a queda do IDE, devido ao alargamento a leste da União Europeia, o endividamento externo disparou.

Quando o problema apareceu na sua configuração actual, começou-se por culpar os governos. É que os economistas nunca erram, quem erram são os políticos. O Guterres serviu de bombo da festa. É verdade que se gastou mais do que se devia. Mas qual teria que ser o superávite orçamental para compensar o diferencial entre o investimento e a poupança? Mais, como é que se pode cortar no investimento, público e privado, num país com um atraso estrutural tão significativo e que quer convergir com a média europeia?

Veio o Barroso, com a Manuela Ferreira Leite, o Santana, com o Bagão Félix e o Sócrates, com o Teixeira dos Santos, e o problema não só não se resolveu como se agravou. Mais, durante quatro anos, tivemos o professor doutor economista Cavaco Silva a Presidente e nada. Tantos Primeiros-ministros e tantos Ministros das Finanças ao burro e o burro no chão. Mesmo com défices públicos abaixo dos 3% o endividamento externo nunca deixou de aumentar. É que o governo pode controlar o endividamento público. O que não pode é controlar o endividamento privado. Esse sim, é que disparou.

Nas últimas semanas começámos a acordar para o problema real. Era mais simples e confortável culpar somente os políticos. Se a culpa fosse só deles, a coisa resolvia-se. Mais tarde ou mais cedo vinha um que encontrasse a solução.

Só que a solução não é fácil e não depende só deles. Vamos todos ter que participar na resolução deste problema e, ainda para mais, a solução também não depende só de nós.

Voltarei a este tema se, entretanto, o euro não acabar e com ele a União Europeia. Prometo ser breve e ainda voltar a tempo.

quarta-feira, março 24, 2010

Bento XVI é de esquerda?

A encíclica de Bento XVI (“Caritas in Veritate”) é, na componente económica, um verdadeiro programa de esquerda. Quanto aos costumes, permanece a visão ultra-conservadora. Mas interessam-me mais, para aqui, as questões económicas e políticas, ou de economia política.

A Igreja Católica é uma instituição intemporal, que perdura, que tem o sentido da memória e que a preserva. E, sendo assim, percebe que a história se repete e que as condições para que hoje se repitam alguns dos maiores disparates estão aí. Como diz, a globalização não é boa nem má. É o que os homens quiserem fazer dela. Agora, a globalização faz de nós vizinhos mas não faz necessariamente de nós amigos. E se não fizer de nós amigos, então, podemos ter os inimigos logo ao pé da porta, ou, pelo menos, vizinhos barulhentos que não nos deixam dormir e que espanam os tapetes para a nossa varanda.

Os conflitos são hoje mais prováveis do que antes. A globalização aproximou-nos e se não for para o bem será, com toda a certeza, para o mal.

Admite, por outro lado, que o progresso é fundamental para a realização do ser humano em toda a sua plenitude. E o progresso aparece com um sentido também material. A expressão de “felizes os pobres, porque deles é o reino dos céus” parece remetida para o domínio do simbólico.

Também refere que o lucro não é um fim em si mesmo. O lucro tem que ser legítimo e legitimado do ponto de vista social. Isto é, o lucro é um instrumento para o desenvolvimento, assumido numa perspectiva humanista como o desenvolvimento de todos e de cada um de nós. Desse ponto de vista, devem existir múltiplos modelos jurídicos e económicos de empresas que permitam acabar com a separação, que cada vez tem menos sentido, entre as que visam o lucro e as que o não visam. Não se está a falar de terceiro sector. Está-se a constatar uma ampla e complexa realidade, que envolve o público e o privado e que não exclui o lucro, antes o considera como instrumento para realizar finalidades humanas e sociais.

A expressão “negócios éticos”, muito associada às questões da responsabilidade social das empresas, tem-se prestado a usura e a todos equívocos. A economia e finanças devem ser éticas não por qualquer rotulagem exterior, mas pelo respeito de exigências intrínsecas à sua própria natureza. Enquanto houver negócios éticos é porque admitimos que, por um lado, eles podem não o ser e que, por outro, aqueles que o são precisam de se afirmar como tal, o que abona pouco à própria ética (ou estética) dos negócios éticos.

Refere muito mais coisas “de esquerda”, ou pelo menos da “esquerda” como eu a entendo.

Vale a pena lê-la. É uma resposta política aos tempos que vivemos. É uma resposta que faz de Francisco Louçã um menino de coro.

domingo, março 14, 2010

Os economistas a pregar (no deserto)

Hoje ouvi um dos economistas do costume falar na rádio sobre o endividamento nacional. Falou da necessidade de os portugueses pouparem mais. E exortou-os mesmo a serem menos gastadores.

Em economia, poupança é o outro nome a que se dá a taxas de juro elevadas. Se, qualquer um de nós, tem dinheiro para comprar um carro novo, embora o carro actual ainda possa durar mais um ou dois anos, pode comprá-lo ou não. Mas se fizer as contas e descobrir que, se poupar o dinheiro que tem, ao fim desses dois anos já não tem dinheiro para comprar o carro, então, opta por o comprar já.

É o que acontece hoje. As taxas de juro reais que nos oferecem os bancos são muitas vezes negativas. Sendo assim, é gastar hoje porque, se não gastarmos hoje, amanhã temos menos dinheiro.

Em conclusão, o economista que ouvi não estava a falar como tal. Estava a pregar. Para isso há profissões mais adequadas.

sábado, março 06, 2010

Mais Lisboa, menos paisagem

Costuma-se dizer que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. Esta expressão presta-se a múltiplas interpretações. Mas todas elas traduzem a opinião generalizada de que existe um excessiva preocupação de todos os governos com a situação de Lisboa, entendida na sua expressão mais ampla de Lisboa-região ou de Área Metropolitana de Lisboa ou, mesmo, da antiga região NUTS II de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), em detrimento do resto do país.

As consequências dessa excessiva preocupação deram origem a um país macrocéfalo, onde se confundem os interesses de Lisboa com os interesses de Portugal. Esta excessiva concentração de pessoas, actividades e riqueza tem sido gerada por um ciclo vicioso.

Tudo começa por um modelo económico que espera de uma aposta continuada na concentração de investimento público em Lisboa, muito dele financiado pelos Fundos Estruturais, ganhos de competitividade de tal forma que, por mera difusão, o hipotético crescimento económico se alastraria para resto do país. Em termos espaciais, é como se na prática se admitisse que, por mancha de óleo, o progresso se difundiria para uma envolvente cada vez mais alargada que, no limite e por absurdo, transformaria Portugal numa mega Lisboa.

Este modelo não se revela auto-sustentável e sempre que acaba um ciclo de acumulação logo outro se tem que iniciar com mais investimento. Umas vezes aposta-se em auto-estradas, pontes e ferrovias, noutras em cultura e reabilitação urbana, noutras ainda no reforço e centralização do sistema científico e tecnológico. As apostas vão variando em nome das teorias da moda, que vão adquirindo nomes cada vez mais esotéricos.

O actual nível de endividamento externo também resulta deste modelo territorial. Desde 2008 que Lisboa passou a ser a região NUTS II mais aberta do país, ultrapassando a região do Norte. Mas passou a sê-lo não pelo aumento das exportações mas pelo acréscimo sistemático e maciço das importações.

O que isto tem revelado é um efeito de “crowding out” esmagador sobre outros territórios nacionais e sobre as actividades económicas que aí existem e as que aí se poderiam desenvolver. O resultado é o estreitamento cada vez maior da base territorial de suporte à competitividade nacional e a estagnação da actividade económica em Portugal, que já dura há uma década.

Apesar de um ou outro trabalho académico, tem faltado evidência empírica que permita desmontar esta autêntica fraude económica. Um recente trabalho de Alfredo M. Pereira e Jorge M. Andraz (“Investimento público e assimetrias regionais”) lança alguma luz sobre este assunto. Estes autores, a partir do investimento público em infra-estruturas de transporte realizado durante o período de 1980 a 1998, quantificam os seus efeitos de “spillover” sobre o investimento privado, produto e emprego nas diversas regiões NUTS II.

Concluem, então, que os efeitos de “spillover” beneficiam sobretudo LVT. Por um lado, apresenta, face a todas as outras regiões NUTS II, os maiores efeitos de “spillover” do investimento que aí se efectiva, com excepção do efeito no investimento privado (que apresenta mesmo um valor negativo; o que parece corroborar hipótese da existência de “crowding out”). Por outro, apresenta os maiores efeitos de “spillover” do investimento público efectuado nas outras regiões NUTS II. Mais, os efeitos de “spillover” em LVT dos investimentos realizados fora desta região NUTS II são maiores do que aqueles que resultam do investimento público que aí se localiza.

Estes dados permitem aos autores afirmarem que o “investimento público tem contribuído fortemente para a concentração da actividade económica em LVT e, consequentemente, tem contribuído marcadamente para a macrocefalia do país”.

Na Região do Norte passa-se exactamente o contrário. Os efeitos de “spillover” do investimento público efectuado nesta região NUTS II são superiores aos que resultam dos investimentos realizados fora dela. É a que regista maior efeito ao nível do investimento privado do investimento público realizado. O investimento público realizado noutras regiões do país tem um efeito negativo sobre o produto desta região NUTS II. Com base nestes resultados, os autores sublinham que a “Região do Norte parece ser a grande perdedora”.

Face a estas conclusões, os autores deixam um alerta para que não se projectem “programas de convergência nacional à custa das assimetrias internas”.

Contra estas evidências o governo português afirma e faz o contrário no QREN. Pelos visto, para ele, não é o investimento realizado noutras regiões que gera efeitos de “spillover” em Lisboa. É o investimento realizado em Lisboa que gera efeitos de “spillover” sobre o resto do país. Assim, não lhe chegou atribuir a Lisboa praticamente a esmagadora maioria dos recursos a financiar pelo Fundo de Coesão, como negociou com a Comissão Europeia, com sucesso, o desvio dos outros Fundos Estruturais (a aplicar nas regiões de “convergência” do Centro, Alentejo e Norte) para Lisboa.

E o ciclo vicioso continua. Até quando?

segunda-feira, março 01, 2010

Entre Maomé e a montanha está Vítor Bento

Esta coisa de se desvalorizar uma moeda que não emitimos é um exercício que tem que se lhe diga. Neste caso, não é Maomé que vai à montanha mas é a montanha que vem a Maomé; que, como imaginam, é um exercício bastante difícil e de resultado, pelo menos, incerto. Não se podendo desvalorizar a moeda, aproximando-se a taxa de câmbio nominal da real, então, altera-se a relação entre preços internos e preços externos, ajustando-se a taxa de câmbio real à nominal.

Vítor Bento lança-se nesse exercício teórico para resolver a o défice das contas-correntes portuguesa. Apresenta, no seu livro “Perceber a crise para encontrar o caminho”, a lista de medidas que se espera: redução nominal dos salários e dos preços dos bens e serviços não transaccionáveis.

Uma solução deste tipo, ainda para mais numa situação de crise como a que vivemos, tende a gerar uma espiral deflacionária. Vítor Bento sabe disso e nesse seu exercício teórico prevê tudo. Candidamente, informa-nos que “teria que ser cuidadosamente previsto um mecanismo de aceleração do ajustamento de preços”. Por esquecimento, digo eu, não nos esclarece que mecanismo seria esse.

Eu, humildemente, penso que sou capaz de imaginar esse mecanismo. Sem política monetária e cambial, esse mecanismo seria a revogação das medidas teóricas propostas por Vítor Bento uma por uma depois de aplicadas.

Aprecio particularmente estes exercícios teóricos. Quem os faz ganha sempre. Avisa os outros do que têm pela frente. Se tudo correr pelo melhor, ainda bem que avisaram. Se tudo correr pelo pior, foi porque não lhes deram ouvidos. E, assim, evitam levar os seus raciocínios até ao fim e pôr as mãos na massa.