sábado, agosto 09, 2008

O poder do Norte

Acabei de ler o editorial de Luísa Bessa no Jornal de Negócios sobre “O poder do Norte” e não posso deixar de o comentar. Trata-se, a meu ver, de um texto que tem o mesmo problema que quase todos os textos que sobre o “Norte” e a sua economia se escrevem. Dá-se como válido um conjunto de pressupostos e, a partir daí, conclui-se uma série de coisas. Vamos ver um dos pressupostos de cada vez:

1) A afirmação de que o “Norte não se preparou para o embate inevitável” pressupõe que o “Norte”, colectivamente, se podia preparar e não o fez. Politicamente e, por isso, como entidade colectiva o “Norte” não existe e, deste modo, não se podia preparar como um todo. A existir uma responsabilidade colectiva, ela é, globalmente, do país e dos seus sucessivos governos. Eu diria de outra forma. Eu diria que o país não se preparou para o “embate inevitável”, embate esse que tinha no Norte o seu principal foco. Podemos afirmar, até, que os sucessivos governos foram negligentes, por acção ou omissão, quanto ao futuro de uma parte muito importante da população portuguesa que reside a "Norte";

2) Deixemos, então, essa responsabilidade colectiva do Norte e passemos para a responsabilidade individual dos seus agentes económicos. Alguém está preparado para morrer? Eu não estou. Quando falo com os meus amigos, nenhum deles o está também. Mais, evitamos falar sobre este assunto, porque não queremos admitir que vamos morrer um dia. Nas empresas passa-se, mais ou menos, o mesmo. Algumas teriam que “morrer”. Deste ponto de vista, as empresas preparam-se para resistir ao “embate”. Umas não resistem e morrem outras resistem e, como na maior parte das experiências negativas e sofridas, saem mais fortes e competitivas. Os dados não permitem concluir que são assim tão poucas as empresas que resistiram e resistem no “Norte” como a sua expressão sobre a ausência de “massa crítica” quer fazer crer. Só para dar dois exemplos, os últimos dados disponíveis e tratados (da CCDR-N, no seu último relatório trimestral da conjuntura), apontam para um crescimento homólogo no último bimestre de 2007das expedições de “vestuário e acessórios de malha” e “calçado” de, respectivamente, 14,1% e 8,0%. Para sectores “tradicionais”, nada mau?! Enfim, estou longe de considerar que a competitividade actual da economia do Norte é a desejável e, sobretudo, aquela que permite assegurar os acréscimos de rendimento e emprego que todos pretendemos. Estou é ainda mais longe de afirmar que, com honrosas excepções, a economia do Norte está para acabar. O tecido produtivo do Norte continua a mostrar maior resiliência do que aquela que os discursos sobre ele nos pretendem fazer crer. Tem menos empresas do que tinha em muitos sectores, mas continua a ter muitas e boas empresas, mesmo em sectores “tradicionais”;

3) Analisemos, agora, a questão que, implicitamente, coloca entre os grupos empresariais a “Norte” e, por contraponto, os grupos empresariais a Sul (“Lisboa”, entenda-se). É verdade que o processo de privatização não permitiu reforçar os grupos empresariais a “Norte”, grupos esses de base industrial. Mas será que permitiu reforçar os grupos empresariais de “Lisboa”? Tenho as minhas dúvidas. Os tais grupos que ganharam o processo de privatização são, fundamentalmente, grupos da área financeira. Agora, de quem é o capital desses grupos? Em bom rigor, ninguém sabe muito bem, mas português é muito pouco. A derrota, portanto, do “Norte” não foi com “Lisboa”, foi com o estrangeiro. Não tenho nada contra (aliás, “o capital não tem pátria”), não se pode é criar a ilusão que existem fortíssimos grupos económicos portugueses em “Lisboa”;

4) Por outro lado, em que sectores é que actuam esses grupos económicos de “Lisboa”? São em sectores que revelam uma grande capacidade competitiva interna e externa? Bem, o que encontramos de mais representativo em “Lisboa” são os sectores financeiros e as “utilities”. Isto é, estamos em presença de empresas e, globalmente, de sectores que actuam na área da produção de bens e serviços pouco ou nada transaccionáveis e que o fazem no mercado interno em regime de oligopólio e, muitas vezes, de monopólio. Competitividade externa? Qual é o contributo dessas empresas para a nossa balança de bens e serviços? Competitividade interna? Relativamente a quem?

Concluo estas minhas notas com a minha tese. Não se pode criticar os outros sem nos expormos um pouco também. O país e os portugueses devem olhar o “Norte” com esperança. Quase que diria, como a última esperança.

Primeiro, é importante não confundir “produto” com “rendimento”, em especial em matéria de economia regional. Existe essa identidade em termos nacionais, mas será que é assim em termos regionais? Alguém conhece os fluxos inter-regionais? Será que o que é produzido num sítio gera rendimento distribuído nesse mesmo sítio? Esse rendimento gera procura/despesa, também, nesse mesmo sítio? Tenho as minhas dúvidas. Agora tenho uma certeza. Com excepção do “Alentejo” (nesta nova configuração da NUTS II que abrange o “Vale do Tejo”), que representa cerca de 7% do PIB nacional, só o “Norte” é que é exportador líquido.

Segundo, a que é que se deve o crescimento económico português, em especial nos últimos anos do século passado? Ao crescimento do consumo público e privado. Foram estes factores, mais os capitais externos que permitiram adquirir muitos dos activos portugueses (os tais que permitiram criar os grupos económicos de “Lisboa”), que sustentaram o nosso crescimento e, sobretudo, o nosso nível de vida actual. Onde é que territorialmente estes factores mais influenciaram o rendimento “per capita” dos cidadãos? Em “Lisboa”, como é evidente. Quanto ao consumo público e privado, estamos conversados. Não é de esperar que daí venha grande fonte de crescimento. E quanto ao fluxo de capitais? Tirando os fundos estruturais, com a actual crise do mercado de capitais, Portugal é um mercado muito atractivo para eles? Tenho dúvidas, para não dizer que tenho a certeza que não é.

Terceiro e último, o que é que nos resta fazer? Fazer coisas portuguesas com dinheiro português (ou com o dinheiro que cada vez menos nos pretendem emprestar) e ir, de porta em porta, vendê-las no estrangeiro. Quem é que sabe fazer isso? O “Norte”, pois claro. Dizem que é por ser “desenrascado”. Dizem que é por ser mais “liberal”. Dizem que é porque aprendeu com os ingleses a vender “Vinho do Porto” lá fora. Quem sabe, às tantas sabe fazer isso porque ninguém lhe deu uma oportunidade de viver de outra maneira.

quinta-feira, março 20, 2008

A reputação na Administração Pública

Para aqueles que são fanáticos das discussões sobre avaliação do desempenho e a meritocracia na Administração Pública, aconselho a leitura da “Empresa Moderna” de Jonh Roberts (distinguido pelo “The Economist” como “Best Business Book”). Trata-se de uma obra, a todos os títulos, insuspeita. Não foi escrita por nenhum sindicalista nem por ninguém que defenda teses conservadoras sobre o mercado de trabalho e o emprego. Mais, fala sobre empresas e não sobre a Administração Pública.

Este autor, sacrilégios dos sacrilégios, vem propor que se adoptem nas empresas sistemas de incentivos aos seus colaboradores muito alinhados por princípios cuja aplicação na Administração Pública sempre defendi, como, aliás, muitas outras pessoas que conhecem muito bem (e por dentro) as missões que estão destinadas a essa mesma Administração. Jonh Roberts vem, de uma forma muito sustentada analítica e empiricamente, sublinhar aspectos que, a meu ver, são evidentes mas que, por ignorância ou má fé, estão sempre ausentes desta discussão. Em primeiro lugar, as pessoas fazem parte de uma organização e, antes de mais, é no contexto dessa organização que devem ser avaliadas e incentivadas. Uma empresa, um instituto, uma direcção geral são formas de organização tendo em vista consecução de uma dada estratégia. Dito de forma simples, um dado tipo de organização está ao serviço de um estratégia e as pessoas inserem-se na organização na exacta medida em que permitem que ela, no seu conjunto, responda a essa estratégia.

O desempenho das pessoas deve ser aferido a partir deste ponto de vista. E, aí, temos que perceber que certos incentivos que promovam a iniciativa individual e o desempenho pessoal podem gerar efeitos perversos. Por exemplo, é normal que um vendedor seja avaliado e incentivado em função das vendas que promove. Mas, por exemplo, um departamento de I&D deve ter incentivos que promovam a iniciativa individual e/ou que promovam lógicas cooperativas? Neste caso, somos levados a pensar que estimular a iniciativa individual, a partir de certos níveis e sem contraponto com incentivos que estimulem lógicas de funcionamento cooperativas, pode dar os piores resultados possíveis.

Também é muito diferente avaliar quem desempenha uma só tarefa ou quem desempenha mais do que uma tarefa. E a situação ainda se complica mais quando uma das tarefas pode ser aferida com objectividade enquanto as outras o não podem ser. Esta situação gera os incentivos mais perversos. Na dúvida, existe uma concentração nas actividades que podem ser mais facilmente quantificadas e avaliadas objectivamente, mesmo que isso seja contrário à própria estratégia que a organização persegue.

Não pretendo com este comentário substituir-me à leitura do livro. Por essa razão, gostaria de concluir com um ponto, que me parece muito interessante, explorado por John Roberts. Um dos aspectos que ele reconhece como muito importante para se conciliarem incentivos à iniciativa individual com o trabalho de equipa, e, em especial, em situações multi-tarefa (onde, ainda por cima, nem sempre é possível aferir o desempenho de forma estritamente objectiva e quantificável), é o da reputação de quem avalia. Só um elevado nível de reputação, reconhecida interna e externamente, de quem avalia é que permite, em muias circunstâncias, conciliar estas duas lógicas (iniciativa individual, por um lado, e cooperação, por outro).

As questões que esta análise suscita são muitas e “mortais” para o sistema que hoje está montando na Administração Pública. Será que estamos a recrutar para Altos Dirigentes e Dirigentes Intermédios pessoas com o nível de reputação necessário? A lógica de nomeação política dos Altos Dirigentes é a melhor forma de se assegurar essa reputação?

domingo, março 16, 2008

O valor de uma metáfora

Apetece-me parafrasear o que dissemos há um par de anos atrás sobre a Região do Norte a propósito da recente vitória europeia do Sporting sobre o Bolton. Neste caso, apetece dizer que “há qualidades nacionais que têm no Sporting manifestações tão expressivas, que é como se o país existisse maioritariamente neste clube”.

Servimo-nos, muitas vezes, do futebol como metáfora. Por que, de facto, o futebol tem um profundo sentido metafórico. E o Sporting é a melhor alegoria que se pode encontrar sobre Portugal. Não conseguimos fazer o óbvio, não somos capazes de suportar passo a passo a rotina dos dias (ou dos jogos do campeonato), mas somos capazes, num determinado momento, de nos superar. E, com frequência, ultrapassamo-nos quando isso é mais improvável.

O Pereirinha é hoje, por essa razão, o símbolo dessa metáfora portuguesa. Tecnicamente, não parece ser nem muito bom nem muito mau. Fisicamente, não é, nem muito alto nem muito baixo, nem muito musculado nem tem estrutura de fundista. Parece um jogador normal. Mas, ontem, foi o herói. Acidental, dirão uns. Eu diria que ele foi o herói que todos temos dentro de nós, pessoas simples e mortais.

Ontem, o Sporting foi uma bela metáfora de Portugal. Podemos perder tudo o que vier a seguir, mas o valor desta metáfora já ninguém nos tira. Ontem, o país reviu-se no Sporting (como, não nos esqueçamos, se reviu, no fim-de-semana, na Naide Gomes) e nós, por momentos, fomos o país.

segunda-feira, março 10, 2008

A irritação de ASS

Um dos cronistas que mais apreciei ler no "Público" foi, sem sombra de dúvidas, o Augusto Santos Silva (ASS). Sobretudo, antes de ir para o governo de António Guterres.

Não posso esquecer o que escreveu quando, evocando a memória de um colega seu e, nesse contexto, falando da sua geração, dizia que "[...] há uma coerência no nosso caminhar. É a opção pela outra margem, a margem que não é necessariamente política ou de esquerda, mas, mais amplamente, o lugar-outro de onde se pode interrogar o adquirido e o instituído, o costume e a autoridade, o dogma e a rotina, onde se podem exercer a inteligência e a liberdade para criticar as coisas, e nós nelas, e continuamente reinventar a nossa identidade, onde podemos encontrar distância para fazer a crítica do que existe e propor, experimentar, criar, onde podemos dizer que sim e que não, e não apenas que sim, onde podemos tentar ligar o que parece desligado, e desligar o que parece tão ferreamente ligado, e em tudo isso sentirmo-nos homens e mulheres autónomos, isto é, obedecendo à sua própria lei".

Não consigo descobrir naquele político colérico e apoplético de ontem, em Chaves,o homem que foi capaz de escrever estas belas palavras sobre a sua geração. Quando é que este homem se perdeu?...

domingo, fevereiro 03, 2008

E o vencedor é ... Alcochete

A opção por Alcochete em detrimento da Ota tem que ver, simplesmente, com uma diferença no custo total estimado da obra de cerca de 5%. Isto serve para dizer que, como eu já tinha referido, não existe grande diferença entre uma solução e outra e, portanto, a decisão foi, puramente, política, tendo-se o LNEC prestado a esse (penoso) exercício de procurar demonstrar que esta decisão tem as mais fortes bases técnicas e científicas. Com esta decisão, o Governo ganhou o que queria: (i)que não o voltassem a chatear tão cedo com este assunto e (ii) calar Cavaco Silva. Entretanto, lá se vão fazer os Estudos de Impacto Ambiental e depois logo se vê...

Para que é que serve o novo aeroporto e como é que ele será financiado, continuam a ser questões muito pouco importantes e, portanto, muito pouco discutidas. Embora já se comece a falar numa cidade aeroportuária e, curiosamente, se continue sem se saber, muito bem, o que é que se vai fazer à Portela e respectivos terrenos. Apetece dizer que, apesar de não sabermos com rigor para que é que queremos um novo aeroporto e como é que o vamos pagar, já sabemos que queremos duas novas cidades: a tal aeroportuária e a que vai nascer nos terrenos da Portela.

sábado, janeiro 05, 2008

O mundo pode voltar a ser menos plano do que é hoje

Acabei de ler, do Stiglitz, o livro "Tornar Eficaz a Globalização". Tem imensas ideias interssantes e que merecem ser discutidas. Sou mais sensível a um delas do que a qualquer outra.

Segundo Sitglitz, o processo de globalização é, antes de mais, um processo de integração das diversas economias e que, no limite, determinará a criação de um mercado único global. Assim sendo, existe uma enorme tendência para o alinhamento dos preços dos factores de produção à escala global e, especialmente, dos salários. Por este raciocínio, no médio/longo prazo esse alinhamento fará com que os salários dos trabalhadores indiferenciados se passará a situar entre aqueles que se praticam nos países desenvolvidos e aqueles que se praticam nos países em vias de desenvolvimento. O desquilíbrio demográfico entre estes dois tipos de países, fará com que esses salários se venham a situar mais próximo do limite inferior do que do limite superior.

Ora se o processo de globalização, numa análise estritamente económica, originará um total de benefícios superiores aos total dos custos, também é verdade que a distribuição desses benefícios e custos será assimétrica. Neste contexto, serão as classes com menores rendimentos, onde se situam os referidos trabalhadores indiferenciados, aquelas que sairão mais penalizadas deste processo e, por esta razão, tenderão a acentuar-se as desigualdades sociais.

Certos níveis de desigualdade são insustentáveis em termos políticos e sociais em democracia. Por isso, ou existe uma resposta a este problema à escla global ou, então, tenderão a emregir movimentos sociais e políticos nos países desenvolvidos que engendrarão uma forma de acabar com este processo (pelo menos, sob a forma de que ele, hoje, se reveste). Esperemos que, pelo caminho, não acabem, também, com os próprios regimes democráticos.

É fundamental aprender com a história e com os erros que levaram à interrupção deste processo de globalização com a Iª Guerra Mundial, para que o mundo continue cada vez mais plano.