quinta-feira, dezembro 28, 2006

Para que a pergunta faça cada vez menos sentido...

No texto anterior, procurámos identificar as causas que podem colocar o seguinte dilema a qualquer funcionário no exercício das suas funções: a obediência ao poder político democraticamente instituído ou a resposta aos interesse dos cidadãos, de acordo com o julgamento que dele faz em cada momento. Isto pressupõe, naturalmente, que, em certos casos, estas duas opções sejam mutuamente exclusivas. Chegámos a dois tipos de causas: (in)diferenciação entre a esfera de intervenção do poder político e a da administração e (falta de) escrutínio, pelos cidadão, da acção pública e, em termos gerais, da governação.

Conhecidas as causas e as consequências (que decorrem da própria existência do dilema) procuraremos chegar às soluções. Essas soluções não podem deixar de ter em consideração, porém, o contexto fortemente politizado (para não dizer partidarizado) que preside à selecção dos principais dirigentes da administração pública em Portugal (“spoil system” que foi, já, institucionalizado por este Governo).

Primeiro, maior autonomia da administração pública face ao poder político implica uma relação contratual que salvaguarde a independência dos funcionários. O “patrão” tem que ser o cidadão e não o chefe. Ora, em muitas das funções do Estado, isso não é compatível com um regime contratual idêntico ao do sector privado. Não é por acaso que os funcionários públicos, no acto de posse, prometem “cumprir com lealdade [de acordo com a lei] as funções que lhes são confiadas” e não, por exemplo, “cumprir obedientemente tudo o que os chefes lhes mandem fazer”. A forma como é encarada esta questão da lei faz toda a diferença ente o contexto de trabalho dos funcionários públicos e privados.

É verdade que os privados também têm que cumprir a lei. Agora, na administração pública, é a própria lei que estabelece a comunicação entre quem decide (o poder político) e quem executa (a administração pública). A comunicação das decisões, no Estado, reveste-se desse formalismo (quer se tratem de Despachos, Portarias, Decretos, …). É como se na administração pública a desobediência dos funcionários seja, antes de mais, uma violação da própria lei. A desobediência, no sector privado, não tem este ónus.

Por outro lado, a administração pública é um garante do estado de direito democrático e, portanto, um garante dos direitos individuais dos cidadãos. Isto é, a administração pública também é um garante que não existem “ditaduras da maioria” e que, por essa razão, os interesses da maioria não podem ser satisfeitos em prejuízo dos direitos individuais dos cidadãos e, por essa razão, dos direitos das minorias. A ideia de um governo limitado (constitucionalmente) pressupõe, naturalmente, essa autonomia da administração pública. Ninguém, no sector privado, tem, implícita ou explicitamente, este nível de compromisso.

Segundo, maior escrutínio da acção pública e da governação implica uma maior proximidade dos cidadãos em relação às decisões (e a quem decide). Só isso é que permite uma efectiva responsabilização (“accountability”) dos agentes públicos. A aplicação, em concreto, do princípio da subsidiariedade implica, entre nós, uma coisa muito simples: mais, muito mais, descentralização. Descentralização para a administração local e suas associações, criação de um nível intermédio de administração entre administração local e a administração central (sejam áreas metropolitanas ou regiões administrativas) …. Em Portugal, como em qualquer parte do mundo, tudo isto não é fácil. Jamais alguém (o centro) abdica do seu poder sem, para isso, ser (praticamente) compelido.

Chegados aqui, resta perguntar: como é que as coisas em Portugal estão a evoluir? Qual é o pensamento dominante?

Antecipando, um pouco, as respostas, não posso deixar de dizer que estamos a pagar (e vamos pagar ainda mais) com menos democracia as fragilidades da nossa administração pública na relação com outros poderes instituídos.

terça-feira, dezembro 19, 2006

A administração pública deve servir os políticos eleitos ou os cidadãos?

A pergunta é, um pouco, capciosa. Em termos teóricos, a administração deve servir os dois: os políticos eleitos e os cidadãos. Mais, como os políticos eleitos representam os cidadãos, ao servi-los está a servir os cidadãos que, supostamente, sufragaram as suas políticas.

A questão é que, na prática, esta distinção tem todo o sentido. Quantas e quantas vezes, quem trabalha na administração pública se depara com situações em que a obediência aos políticos eleitos (mesmo em situações que não estão em presença questões de legalidade) é, no seu julgamento, contrária ao interesse dos cidadãos? Quando se está perante este dilema, o que é que se deve fazer? Desobedecer? Será que um funcionário tem legitimidade para, em cada caso, fazer esse julgamento?

Penso que a melhor maneira de se resolver este tipo de situações é criar condições para que exista uma maior separação entre as áreas de intervenção dos funcionários públicos e dos políticos. Aos políticos deve competir a tomada de decisão, à administração compete, para além de informar os políticos (para que melhor possam decidir), assegurar a sua execução.

Nem sempre é isso que acontece. Por exemplo, no poder local e, especialmente nas pequenas autarquias, praticamente, não há espaço para a criação de qualquer autonomia entre administração e poder político, com as consequências graves resultantes da ingerência dos políticos nas tarefas que devem competir, somente, aos funcionários. Assim, a meu ver, muito da reforma do poder local deve passar pela criação desse espaço.

Complementarmente, é necessário uma maior prestação de contas da administração pública face aos cidadãos, o que implica destes, por sua vez, uma atitude mais activa no escrutínio das políticas e, em geral, da acção governativa.

Espero que um dia esta pergunta deixe de fazer (qualquer) sentido.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Nos tempos que correm, para que é que serve um economista?

Li há, relativamente, pouco tempo o texto “Portugal: um país em crise entre o “desplaneamento” e as políticas de estabilização” de João Cravinho. É um texto muito interessante que explica, a meu ver, muito bem os nossos problemas actuais e o papel que a política económica pode ter para os resolver. Esqueci-me foi de começar por dizer que este texto é de 1983 e que João Cravinho se referia ao período 76-78 (1º acordo com o FMI) e ao que nos esperava em 83 (2ª acordo com o FMI).

Antes como agora, o problema é sempre o mesmo. A nossa falta de competitividade gera um défice insustentável da BTC que tem que ser, numa primeira fase, financiado e, depois, progressivamente reduzido. A solução é sempre a mesma (embora com várias variantes): contracção da procura agregada. No passado, através da desvalorização da moeda e, consequente, melhoria do nosso saldo comercial e pela redução do consumo privado resultante da reposição/diminuição dos salários reais (consequência de uma política monetária com efeitos inflacionários – aumento dos preço das importações, do preços dos seus substitutos, dos não transaccionáveis, etc - que permitia acréscimos nominais de salários com, muitas vezes, reduções dos salários reais). Actualmente e na ausência de política monetária autónoma, o único remédio, deste tipo de solução, não pode deixar de ser o de mexer no único agregado (do lado da procura) em relação ao qual o governo tem alguma margem de manobra, isto é, os gastos públicos.

Em conclusão, o problema é sempre o mesmo e a solução também é a sempre a mesma. Só que a solução também é sempre de curto prazo e, por isso, nunca resolve duradouramente o problema. Qualquer folga no lado da procura gera sempre um problema que, mais tarde ou mais cedo, tem que ser resolvido com mais política recessiva.

O que é que nos falta? No fundo, aquilo que nos pretende dizer João Cravinho. Faltam-nos políticas do lado da oferta. Isto é, políticas que permitam expandir a oferta agregada. Só que essas políticas são de médio/longo prazo. O tempo, em política económica, é sinónimo de planeamento. Hoje, como ontem, o que precisamos é de planear bem o nosso processo de desenvolvimento. Temos que atacar o que houver para atacar no curto prazo do lado da procura agregada, mas isso tem que ser um ponto de partida para essas políticas de horizontes mais largos de médio e longo prazo do lado da oferta. O ajustamento não pode ser sempre, na lógica da procura, do lado do consumo privado ou dos gastos públicos, que é praticamente o mesmo que dizer, na óptica do rendimento, do lado dos salários.

Curiosamente, um texto que li, também, recentemente de Olivier Blanchard (“Adjustement within the euro. The difficult case of Portugal”) vem, na prática, com esta “velha” receita. Fala, vagamente, na necessidade de se aumentar a produtividade (sem explicar muito bem como é que em concreto isso se faz; admito que para este economista essa explicação – menor, do ponto de vista intelectual - deva ficar para os engenheiros) e, depois, a única proposta concreta que apresenta é a redução dos salários reais. É verdade que vai adiantando que essa quebra dos salários não é tão fácil de aceitar pelos trabalhadores como no passado (não é possível contar aqui com a “ilusão” monetária).

O mais interessante destes dois textos, em minha opinião, é que, embora separados por mais de vinte anos (um é de 1983 e outro é de 2006), permitem destacar uma questão que cada vez me parece mais óbvia: os economistas, para além de ideias gerais, só têm, efectivamente, receitas do lado da “procura” e, portanto, só propõem políticas de curto prazo. Na prática, nunca conseguem perceber a causa última das crises e, portanto, nunca resolvem os problemas de fundo. A receita, depois, é sempre a mesma: austeridade. Nunca, se chega é a perceber quando é que essa austeridade deve parar. Fica-se com a sensação que quanto mais austeridade melhor e que, se o doente não morrer da cura, um dia, vá lá saber-se porquê, as coisas vão melhorar. Se não melhorarem, não faz mal porque se fez o que se devia.

Existe sempre a possibilidade de se morrer da cura. A “malta” um dia cansa-se e, na melhor das hipóteses, muda o governo ou, na pior das hipóteses, faz uma revolução. Mas essa possibilidade não é analisada porque jamais se admite que, em democracia, as pessoas, por vezes, aborrecessem-se e ficam, mesmo, muito chateadas.

Se é para nos dizerem que, para qualquer problema, a solução é “apertar o cinto”, vale a pena dedicarem uma parte da vida a estudarem economia? O objectivo deste modelo de organização económica (que costumamos chamar de capitalismo) não é o de, exactamente, proporcionar um melhor nível de vida às pessoas? Se assim não for, para que é que ele serve e, por maioria de razões, a ciência que o estuda?

Parafraseando o elogio de Stiglitz a Phelps, precisamos, acima de tudo, de uma economia da acção e não de uma economia da resignação.

domingo, dezembro 03, 2006

As Universidades em Portugal: o preconceito e a teoria do "oásis" como métodos de análise

O “Prós e Contras” da última segunda-feira sobre o Ensino Superior em Portugal e tudo o que dele se disse, depois, são muito reveladores a vários títulos. Os media, em geral, estão a ser incomensuravelmente mais complacentes com o Ministro do que com os reitores (neste caso, não estão a ser, sequer, nada complacentes). De facto, existem muitas responsabilidades dos reitores no actual estado (que, reconheçamos, não é bom) das Universidades. Mas também é verdade que existe imensa responsabilidade do Ministro nesse actual estado: já lá está há quase dois anos e, embora muita gente esteja esquecida, esteve o tempo todo nos Governos liderados por António Guterres. Como se vê a responsabilidade política do Ministro é muita (quem não se lembra da expansão irresponsável que teve o ensino superior, público e privado, durante esse período).

Depois os pontos de vista do Ministro e dos reitores não me pareceram, no fundo, diferentes. O Ministro considera que as Universidades não têm escolhido os melhores e que, por essa razão, estão em crise. Promete avaliações pertinentes e medidas de política consequentes com elas, lá mais para o ano. Depois de tudo isso, as Universidades passarão a escolher os melhores, a produzir melhor investigação e, por arrastamento, a ensinar e a formar melhores profissionais. É um discurso que, para já, radica na análise que o ensino superior vai mal e, portanto, que legitima os cortes orçamentais já assumidos. Os reitores, no essencial, também não pensam de maneira muito diferente. Não são é tão críticos da situação actual e consideram que cortar dinheiro não vai ajudar nada. Quanto aos amanhãs (que cantam) na, prática, todos estão de acordo. Quanto à situação actual é que estão um pouco em desacordo. Esse desacordo resulta somente de o Ministro não ter mais para dar. Por que se tivesse, como se viu no Governo “Guterres”, dava.

Esta concordância de pontos de vista tem que ver com o lado a partir do qual, todos eles, vêem o ensino superior (não é despiciendo, neste contexto, o facto de o Ministro ser, simultaneamente, professor universitário). Quer o Ministro, quer os reitores, vêem as questões da Universidade sobre o mesmo ângulo de análise, isto é, vêem as universidades de “dentro” e não de “fora”. O que ambos nos disseram foi que: escolhendo melhor os recursos humanos (admite-se que, apesar do processo crescente de internacionalização da ciência, as Universidades Portuguesas têm capacidade para atrair os melhores) e fazendo, em consequência, mais e melhor investigação, as Universidades Portuguesas têm o seu problema resolvido (que visto, desta forma, é só um problema de competitividade face às universidades de outros países).

O que se confunde é autonomia universitária com autarcia universitária. As Universidades devem ser um instrumento fundamental do processo de desenvolvimento económico português. O que lá se não disse foi que modelo de desenvolvimento económico é que as universidades estão ou pretendem vir a promover. Para isso, primeiro, era importante explicitar que modelo de desenvolvimento económico pretendemos. E só depois é que fazia sentido discutir de que forma é que as Universidades o estão ou o irão promover. Mas, como vimos, há muitos mal-entendidos.

Quando olhamos para as classificações de entrada no ensino superior, descobrimos que o sistema está a seleccionar os melhores alunos para o sector da “Saúde”, entendido em sentido lato. O que implica que as classificações de entrada mais elevadas se encontram não só nos cursos de Medicina como em outros que com eles têm que ver (até por que há sempre a possibilidade de os alunos entrarem nesses cursos e, mais tarde, para Medicina transitarem). Assim, não estranhamos que as classificações mais elevadas sejam de cursos que constituem segundas, terceiras, quartas, …, enésimas opções de quem queria ir para Medicina. Descobrimos, já sem nos espantarmos, que se estão a seleccionar enfermeiros, fisioterapeutas e quejandos (isto é, futuros trabalhadores que precisariam, no máximo, de formação técnico-profissional) com médias de mais de 15 valores (em enfermagem, chega-se, com frequência, a exigir média superior a 17 valores). A seguir descobrimos cursos da “moda”, como são o caso da Comunicação Social e da Arquitectura, cujas classificações não têm que ver com a escassez relativa de recursos humanos qualificados nessa áreas e, portanto, com o seu grau de empregabilidade. Descobrimos, ainda, que os cursos que têm como, praticamente, único destino o ensino ainda vão preenchendo as vagas e, muitas vezes, exigindo mesmo médias elevadas. Por fim, vêm as aberrações. Como os Politécnicos e Universidades que se foram criando e expandindo, um pouco, a trouxe-mouxe precisam de sobreviver, “inventam” os cursos mais descabelados, desde que consigam atrair uns tantos incautos. E lá aparece a “Enfermagem de Veterinária”, o “Marketing de produtos agro-alimentares”, etc, etc, etc.

Os cursos de engenharia, estes preenchem cada vez menos as vagas e exigem médias cada vez menores. Por isso estamos mesmo a ver os excelentes engenheiros que iremos produzir com o nível de exigência que os estamos a seleccionar à entrada…..

Claro que este processo de selecção não se articula com o discurso do “Plano Tecnológico” nem, genericamente, com a necessidade de intensificação tecnológica a economia portuguesa. Dito por outras palavras, as Universidades não estão a formar, nem em quantidade, nem em qualidade, os (futuros) profissionais que o modelo de desenvolvimento da economia portuguesa, enunciado por este Governo, requer.

Sobre isto, os reitores e o Ministro nada disseram. É que, pelo menos implicitamente, eles consideram-se o (único) reduto da excelência em Portugal. Eles admitem que o desempenho das universidades é independente do contexto e, assim sendo, podemos ter universitários e universidades de excelência num país pouco desenvolvido e medíocre.

domingo, novembro 26, 2006

O sentido da urgência

Leio num livro que “o sentido da urgência deve fazer parte da cultura de toda a organização. É o elemento que deve diferenciar a empresas privada de uma qualquer repartição pública (com honrosas excepções)". Trata-se de um frase que diz coisas extremamente importantes e, paralelamente, um chorrilho de disparates e preconceitos.

De facto, não posso estar mais de acordo que a existência de um certo “sentido de urgência” é quase um sinal vital de uma instituição. Quando ele deixa de existir, essa instituição está moribunda. Do ponto de vista de quem vende bens ou presta serviços, se existem compromissos em matéria de prazos esses têm que ser religiosamente cumpridos. Quando uma entidade é complacente aí, nos tempos que correm, então está tudo perdido.

O "sentido da urgência "também é um sinal de bom planeamento. Quer dizer que se está a trabalhar no limite da capacidade instalada. A pressão para se cumprirem prazos de entrega de bens ou na prestação de serviços revela que os recursos estão a ser mobilizados eficientemente. Só assim é que uma instituição pode crescer de forma sustentada.

Por outro lado, e esta é a minha opinião, quando uma pessoa trabalha no limite das suas capacidades, dentro de certas condições que salvaguardem a sua saúde e qualidade de vida , mobiliza o melhor de si próprio em cada instante para fazer o que faz. Mas, aqui, sou eu a olhar para mim mesmo, não posso, nem devo, generalizar.

A questão é que este “sentido de urgência”, na prática, pode ser mais fictício do que real. Isto é, a urgência permanente pode só querer dizer mau planeamento e má afectação de recursos. Falando da administração pública, que é o que conheço melhor, com frequência quer dizer voluntarismo inconsequente dos dirigentes e políticos, resultante de, nem sempre, conhecerem suficientemente o “processo produtivo” que têm por missão organizar e gerir . Como distinguir, então, o “bom” do “mau sentido de urgência”? Provavelmente, nem sempre é possível fazer essa distinção.

Mesmo assim, na dúvida, eu prefiro trabalhar numa instituição que, por boas ou más razões, mantenha esse "sentido da urgência". Se for por boas razões, tanto melhor. Se for por más razões, mantém-se sempre uma capacidade de resposta que, mais tarde ou mais cedo, será sempre necessário (um dia virá sempre alguém competente gerir a organização). A alternativa também não existe. A falta de "sentido da urgência" quer dizer que nós somos dispensáveis e, muito possivelmente, a organização, como um todo, também o é.

Quanto ao “sentido de urgência” como factor de diferenciação entre o público e o privado, só revela preconceito (que, como sempre, resulta da ignorância). Já cansa de explicar às pessoas as diferenças entre “bens públicos” e “bens e serviços oferecidos pelo sector público”, entre “interesse público” e “interesse do(s) público(s)” (raramente se consegue explicar a quem trabalha no privado que a nossa orientação para os "clientes" se faz de forma diversa da deles; se um "cliente" vem solicitar uma licença de construção numa zona interdita, por ser, por exemplo, Reserva Agrícola ou Ecológica, a resposta de um serviços só pode ser, em nome do interesse público, negativa; mesmo que a resposta seja muito expedita e clara a possibilidade de esse "cliente" não ficar a dizer muito bem do serviço é enorme), etc.

Existe, depois, um pormenor que me encanta sempre nestas frases: diz-se sempre que existem "honrosas excepções". Deste modo, quando se identifica uma determinada entidade pública como tendo elevados níveis de eficiência, esta fica, sempre, enquadrada na quota das “honrosas excepções” e, portanto, a lei geral, que diz que a administração pública é ineficiente, continua a manter-se. Esta quota de "honrosas excepções", normalmente, é preenchida pelos organismos onde trabalham os nossos amigos e todos aqueles que vão lá jantar a casa.

terça-feira, novembro 21, 2006

No lavar dos cestos é que se faz a verdadeira vindima

O caso SIRESP veio provar uma coisa que todos nós sabíamos: após a demissão de um governo (e deste ficar em gestão) o caldo de cultura para o desenvolvimento de tráfico de influências está criado.

Os governates ficam em pânico e, como existem imensas questões por resolver, gostam de deixar "limpos" toda uma série de dossiers em que estão envolvidos (eles ou muita da rapaziada que pulula por esses gabinetes ministeriais). Também há histórias de governantes que depois de saberem que estão demitidos aproveitam as últimas horas para despacharem a trouxe-mouxe todos os dossiers que têm em carteira e que alguém lhes põe na frente para assinar. Também se conhecem histórias de gabinetes ministeriais que quando chegam os novos "inquilinos" já lá não encontram nada. Dantes ainda lá deixam os computadores, embora com o disco formatado. Agora, fazem mesmo desaparecer os discos duros, não vá lá o diabo tecê-las.

As soluções para isto são muito simples ,só não se percebe por que é que ninguém se dá ao trabalho de as por em prática. Primeiro, o período de substiuição dos governos tem que ser muito mais curto. Importa, portanto, rever todos os prazos para demissão do governo, marcação de eleições, validação dos resultados, período de consulta aos partidos, ..., até à tomada de posse do novo governo. Depois é preciso criar legislação que regule a transição dos dossiers de um governo para outro. Lembro-me, a este propósito, da legislação que foi criada no Brasil por Fernando Henriques Cardoso quando da sua sucessão por Lula.

Com um período de nojo tão alargado e com a inexistência de legislação ou de um código de ética para a transmissão de poderes estão criadas as condições para se fazer a maior vindima possível ao lavar dos cestos.

domingo, novembro 19, 2006

Cavaco não faz nada ao acaso

Uma das coisas mais espantosas aos comentários feitos à entrevista de Cavaco Silva, foi que, praticamente, ninguém achou mal a sua colagem (e o elogio) ao governo. Não está aqui em causa se o governo está a governar bem ou a governar mal ou o que é que Cavaco Silva pensa sobre essa mesma governação. A questão está na própria revelação em si mesmo.
A revelação, para mim, é um acto de ingerência do Presidente da República no exercício da governação e na luta política diária e partidária (veja-se como ficou a margem de manobra de Marques Mendes?). A questão é: o que é que os mesmos comentadores vão dizer quando o Cavaco Silva disser mal do governo? Que o Presidente deve ser um árbitro? Não se iludam, o momento vai chegar e esta declaração foi mais exercício, friamente planeado, para ganhar margem no futuro para o fazer e, nessa altura, com autoridade acrescida.
Cavaco não faz nada ao acaso.

Quando um amigo nosso parte

Um grande amigo meu prepara-se para partir. Vai partir de um país que se condena, todos os dias, a si próprio e ao seu povo. Que não sabe, verdadeiramente, assumir que errou e que encontra, como único culpado, o seu próprio povo. Eles endividam-se, eles consomem, eles são preguiçosos, eles têm privilégios, eles não têm inteligência, maneiras e qualificação. Demita-se o povo, viva a república!
Uma nação que não dá oportunidades a todos e que desse todos não consegue escolher os melhores, não tem futuro.
Só apetece dizer, parte e não voltes. Depois de partires, mesmo nos momentos de maior melancolia, não olhes para trás. Regressa só um dia, daqui a muito muito tempo, quando, porventura, precisares de saberes quem és.

terça-feira, novembro 14, 2006

Por que é que, com frequência, as decisões tardam?

Todos nós temos situações vividas (sofridas, mesmo) de processos tratados com a Administração Pública cujas decisões finais demoraram tempos intermináveis. Muitas das razões são conhecidas: falta de eficácia e eficiência da Administração, legislação confusa, nível elevado de iliteracia dos utentes, etc, etc, etc. Não me interssa, agora, falar muito deste tipo de deficiências estruturais. São iguais em todo o país e, muito provavelmente, não são um factor de distinção entre o público e o privado. Quem nunca tratou de um assunto com a TV Cabo que atire a primeira pedra.
Interessa-me mais analisar as consequências preversas dos procedimentos que os políticos lançam mão para encurtarem os prazos de resposta da Administração Pública. Normalmente, quando os prazos de resposta são longos, qual é a primeira medida que passa pela cabeça de um político? Reduzir, por via legal, esse prazo. Fica contente, fez a sua parte, e acredita que a realidade muda, como por magia, por haver um novo diploma legal. Como, depois, os resultados não são monitorizados esse político nunca chega a ficar angustiado. Será que uma medida destas não poderá provocar, exactamente, os resultados contrários ao pretendido? Em minha opinião, isso acontece com muita frequência. Os estímulos estão lá é só preciso analisá-los com pormenor.
Quando um político encurta prazos de resposta fá-lo sem qualquer sustentação empírica. Isto é, não sabe se , com base nos procedimentos que estão previstos na lei e nos recursos disponíveis, é de facto possível responder de forma mais célere. Julga, à partida, que o prazo é longo e vá de encurtá-lo. Não prevê nem reafectação de recursos para aquele tipo de tarefa nem, muito menos, alteração de procedimentos.
Se o novo prazo previsto for irrealista, o que é que um funcionário público faz? Obviamente, descobre a primeira deficiência na instrução do processo e devolve-o ao promotor para rectificação. A contagem do prazo supende-se. Enfim, ganha tempo. Este processo pode ser repetido vezes sem conta. Quando não é possível este expediente resta uma só solução: não cumprir, simplesmente, o prazo. E, aqui, como sabemos, se o prazo estabelecido for irrealista e se, de certeza, for impossível de cumprir, o "crime" é igual se o incumprimento for de um dia ou de dois meses. Nestes casos, o atraso começa a ser endémico e, apartir de certa altura, já ninguém sabe se o atraso face à lei resulta da irrazoabilidade da lei ou da ineficácia ou ineficiência do serviço.
A solução para isto é muito simples. Os prazos devem ser estabelecidos com todo o rigor e, por essa razão, devem estar muito bem suportados em fluxogramas que contemplem todos os procedimentos legalmente previstos. Quando um político decide a alteração de um prazo deverá sempre, portanto, sustentá-lo na reafectação de recursos da Administração e/ou na alteração de procedimentos. Alterar prazos por alterar, vale mais estar quieto.
É óbvio que os organismos de inpecção também dão aqui uma ajuda preciosa. Nunca ninguém leu um relatório de auditoria em que se tenha considerado que um determinado procedimento é redundante e que, por essa razão, deve ser eliminado. Pelo contrário, na dúvida, o funcionário deveria ter efectuado mais procedimentos e solicitado mais e mais papeladas aos utentes.
Existe uma outra razão de fundo, que um outro dia irei analisar, e que tem muito que ver com aqueles processos que se arrastam anos e anos pelos departamentos do Estado. Neste caso, a razão é mais funda, quer os funcionários, quer, essencialmente, os políticos não sabem ou temem dizer não. Vale a pena estudar, um dia, porque é que somos tão avessos a dizer não.

sábado, novembro 11, 2006

Para quê estudar a introdução das portagens nas SCUTs?

A introdução das portagens em algumas SCUTS no Norte de Portugal mereceu dois tipos de notícias. Um que teve que ver com a própria medida e com a sua (in)congruência face ao programa eleitoral do PS. Outro relacionado com a adujidação dos estudos a uma empresa de um adjunto do Ministro para a qual o próprio Ministro terá trabalhado. Percebe-se o interesse de ambas mas, do meu ponto de vista, o essencial desta questão ficou por analisar.

Uma medida tão simples como esta em que os dados para se formular uma decisão são tão evidentes precisa de um Estudo (com letra grande) para a fundamentar? Claro que não. A decisão tem uma natureza eminentemente política. Há quem defenda o modelo das SCUT há quem defenda o modelo das portagens. Ambas as opções têm vantagens e inconvenientes e a decisão tem que ver com a forma como se ponderam essas vantagens e inconvenienetes. Qualquer técnico pode-se substituir a um político na altura dessa ponderação? Em minha opinião, não. Este caso ainda tinha como característica adiconal o de ser de decisão tão simples que qualquer político de inteligência média sabe quais são as vantagens e inconvenientes de qualquer uma das decisões possíveis e, portanto, quando decide, de uma forma ou de outra, sabe muito bem por que é que o faz.

Vamos admitir que o político tem inteligência abaixo da média. Por que razão é que vai encomendar um Estudo (com letra grande)? Ainda por cima gastando imenso dinheiro? Bastar-lhe-ia pedir a alguém do seu Gabinte ou de um qualquer serviço do Estado que lhe escrevesse um pequeno memorando sobre o assunto e que lhe fizesse meia dúzia de contas. O assunto não merecia mais.

Tendo, ainda para mais, o Ministro uma inteligência acima da média porque é que se encomendaram os Estudos (com letra grande)? A situação é, infelizmente, cada vez mais frequente e a resposta é muito simples.

Primeiro, encomendar um Estudo (com letra grande) dá a ideia que a decisão não estava tomada à partida. Segundo, confere uma enorme complexidade a um assunto extremamente simples, criando-se a ideia que, face a tal complexidade, a decisão foi extremamente ponderada. O Ministro passa por político responsável. Depois encomendar o Estudo
(com letra grande) a uma empresa de consultadoria confere uma grande independência às suas conclusões. Se fosse efectuado pelo seu próprio Gabinete ou pela Administração Pública, toda a gente diria que as suas conclusões não seriam independentes e teriam sido instrumentalizadas. Entra aqui, parecendo que não, a questão do preço. Quanto mais caro é o estudo maior é a sua independência. A decisão passa, então, por ser técnica e não política, o que, com o sabemos, é um tipo de desião sem mácula (as decisões políticas são coisas, hoje em dia, muito mal vistas).
Fica, por fim, a discussão por que é que alguém está disposto a fazer um estudo (com letra pequena) e vendê-lo como Estudo (com letra grande). A resposta é simples: por dinheiro. Por bom dinheiro eu sou capaz de escrever um Estudo (com letra grande) a sustentar uma decisão que já está tomada. Este tipo de estudos (com letra pequena) são caros porque, sobretudo, é preciso pagar isto. Para os políticos, tudo isto ainda trás o bónus desses técnicos independentes se obrigarem poublicamente a andar a caucionar as opções políticas deles. Tudo isto, com é óbvio, custa os olhos da cara...

Como costumava dizer um antigo chefe que tive "este tipo de estudos não servem para suportar nenhuma decisão, servem é para tranquilizar quem decide".

Sócrates, o défice e o estado social

Ouvi o discurso de Sócrates no Congresso. Lá o ouvi, como é da praxe de qualquer primeiro-ministro, a desfiar burocraticamente as realizações do governo. No meio daquele arrazoado, acabou por dizer uma coisa que me pareceu interessante. Para ele, e para a esquerda, a consolidação das finanças públicas é fundamental para a manutenção do estado social. Supostamente, para a direita, o desmantelamento do estado social é a única forma de consolidação das finanças públicas. A esquerda vê a redução do défice como instrumento, a direita como objectivo.
Colocada a questão nestes termos, parece que temos um novo paradigma ideológico. O problema é que a prática é capaz de se encarregar de desfazer esta diferença.
Se, hoje, corto um bocadinho aqui e outro acolá na despesa pública e amanhã, que remédio, tenho que voltar a fazer o mesmo, um dia descubro que à custa de tanto cortar já não tenho estado social nenhum. Pouco a pouco acabamos por chegar ao mesmo.
Neste ponto, o pradigma parece ser outro: a direita acaba com o estado social de repente, a esquerda um pouco mais devagarinho.
Parece que andamos em círculo para no fundo chegarmos à conclusão que não há espaço para a política.
Puro engano. Falta uma variável neste raciocínio: o crescimento económico. Foi através dele, aliás, que o Clinton resolveu o problema do défice nos EUA. É na escolha dos factores e das políticas de crescimento económico e na distribuição dos benefícios desse crescimento que está a diferença, para mim, entre a esquerda e a direita. Procurarei, mais tarde voltar a este tema.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Do medo da função pública à função pública com medo

Hoje foi dia de greve na função pública. Ou muito me engano ou tirando os sectores do costume a adesão não deve ter sido por aí além.
O medo está no ar. Muitos dos funcionários vão para o quadro de mobilidade e ninguém sabe quais são os critérios. Sendo assim, o que é que deve fazer um funcionário? Greve? Mas depois não fica na lista negra? Trabalha mais? Mas se o colega do lado for amigo do chefe o que é que lhe adianta? O ar é irrespirável.
E isto tudo porquê? Por que é preciso combater o défice e uns tantos, escolhidos ao acaso (ou com base no processo de avaliação de desempenho em vigor; o que é, na prática a mesma coisa), têm que ir para a rua (não é bem para a rua é assim para uma espécie de limbo entre a declaração de desemprego e a da inutilidade). Isto é, os funcionários vão passar de pessoas a variável de ajustamento. O que é que interessa se são precisos ou não? Se trabalham bem ou mal? Se se esforçam ou não? Se são competentes ou incompetentes? A uns vai-lhes sair a fava. É simples, terrivelmente simples...
Já lá vai o tempo em que os governos tinham medo da função pública. Hoje, são os funcionários que têm medo dos governos. Sabem, por experiência própria, que por muito mal que sejam tratados por um governo, o que vier a seguir ainda os vai tratar pior.

O povo que pague a crise...mesmo a dos outros

Ouvi, a correr, um pouco da Quadratura do Círculo. Ouvi e quase não acreditei. Um dos comentadores começou por dizer que a banca é um sector extremamente competitivo. Depois, com a mesma placidez, disse, por outras palavras, que estas medidas de agravamento fiscal se iriam-se reflectir nos preços que praticam os bancos (quer nos serviços que prestam quer na margem de intermediação financeira). Assim sendo, quem vai pagar, segundo ele, este agravamento são os cidadãos que não têm outro remédio que não seja o de recorrerem aos bancos que temos. Por outras palavras, os bancos não vão abdicar das margens de lucro que têm. Ah! já me esquecia, convém relembrar que, de acordo com este comentador, estamos em presença de um sector extremamente competitivo. Eu diria, somente, que é um sector que tem um poder de mercado desproporcionado, provavelmente porque está muito pouco exposto à concorrência (internacional), sobretudo no que diz respeito à banca de retalho.
Mas se o comentador disse...

quarta-feira, novembro 08, 2006

Os privilégios são todos iguais mas há uns mais iguais do que outros

Hoje, pelos vistos, a notícia é que os bancos não pagam a taxa de IRC que devem pagar. Por que será que, neste caso, ninguém fala em privilégios ou subsidiodependência?
http://fpublica.blogspot.com/

terça-feira, novembro 07, 2006

O défice como programa

A sensação que se tem é que o país de "tanga" foi a desculpa de quem não tinha um programa político. Será que, hoje, as coisas são muito diferentes? Esta obsessão com o défice não é uma forma de não pensarmos como queremos ser? Vale a pena resolver o problema do défice mais que não seja para que possamos voltar a pensar o nosso futuro colectivo em torno da correcção de todos os outros nossos défices: de cidadania, de qualificação, de capacidade empreendedora, ....

Quantos somos? Será que custamos mesmo isso?

Como sempre, não há nada como uma mentira repetida muitas vezes. Somos muitos. Seguramente, somos demais face aquilo que o país pode pagar e aos serviços que a população está diponível para suportar. Agora, o que não vale é utilizar falsos argumentos. Como nos refere Correia de Campos (sim, esse mesmo, o que é Ministro), Portugal "teria [em 2001] a mais alta percentagem de gastos [com a função pública] na economia da zona euro", embora "em importância relativa do emprego público no emprego total [estivesse] a meio da tabela". Para este nosos Ministro estes "dados levantam questões de validade e consistência:será que todos os países têm definições iguais, ou pelo menos idênticas, de função pública? Referem-se apenas às administrações centrais ou também aos níveis desconcentrados? Incluirão as administrações autárquicas? O sector da segurança social, público entre nós, e da acção social, privado entre nós, estão aqui considerados, em que categoria?".
Quanto tempo mais iremos continuar a ouvir falar da percentagem dos gastos com a função no PIB sem que ninguém se interrogue como Correia de Campos?