domingo, fevereiro 28, 2010

Os economistas sabem o que dizem, os portugueses é que não prestam

Os economistas “standart” querem-nos fazer crer que podemos desvalorizar uma moeda que não temos. Segundo eles, produzimos internamente todos os efeitos que uma desvalorização comporta e, assim sendo, podemos continuar alegremente no Euro tal e qual como ele hoje se apresenta (com o orçamento comunitário que temos, sem a Comissão Europeia poder emitir dívida pública, com um BCE independente, mas com um presidente indicado pelos de sempre, e sem qualquer outro objectivo que não o dos 2% de inflação, etc). A receita é a esperada: cortamos nos salários, nos preços, etc, etc, etc. Se Deus quiser, não teremos uma espiral deflaccionária.

Ninguém nos explica como é que fazemos para repor a competitividade externa - é que uma desvalorização "à séria" (quando se tem moeda própria) produz algum desse efeito. Ou melhor, falam-nos em reformas estruturais.

Nunca sabemos bem o que são as famosas reformas estruturais. Sabemos que, quase sempre, andam à volta da redução dos salários e da precarização e degradação das condições laborais. Esse caminho, que Portugal vem percorrendo há, pelo menos, uma década, não produziu nenhuns resultados positivos; muito pelo contrário. Então o que faz falta? Mais reformas estruturais.

E isso nunca vai acabar ou quando acabar, como na história do burro que, quando se tinha desabituado de comer, morreu, vão-nos dizer que as reformas não estavam erradas e que tudo isto se deve a um defeito da raça.

sábado, fevereiro 27, 2010

Vamos entregar ao mercado a democracia?

Uma vez mais tivemos um exemplo da forma como (não) funciona o mercado em Portugal. Numa audição parlamentar, o director de um jornal afirmou que foi coagido a não efectuar uma notícia a troco da resolução dos seus problemas bancários.

Muitos de nós, já pedimos um empréstimo bancário para aquisição de casa própria. Pediram-nos em troca simplesmente garantias de o podermos pagar. Isto é, o banco procura assegurar que os nossos projectos de vida, no qual se inclui a compra de habitação própria, é suficientemente viável do ponto de vista económico-financeiro para que, mais tarde, não venha a ter problemas com o reembolso desse empréstimo. Nada mais nos é pedido.

Pelos vistos, esta lógica de funcionamento bancário não se aplica a todos. Se assim fosse, o director do jornal não poderia ser coagido. Sendo rentável o seu jornal, se um banco não assegura o financiamento desse projecto empresarial, outro estará sempre disponível para o fazer. Se não for rentável, então, nenhum banco está disponível para o financiar. Ponto final parágrafo; ou, pelo menos, é isso que nos procura ensinar a economia “standart”.

A ser verdade o que afirma esse director, as coisas podem não se passar exactamente assim. Ora, isso diz-nos muito da fragilidade do projecto empresarial onde assenta o seu jornal. Depois, diz-nos muito sobre a forma como funciona o mercado financeiro.

Estamos em presença, pois, de mais um exemplo da forma como não funcionam eficientemente os mercados. Ou então sobre a forma como eles funcionam; mas, se assim for, esse modo de funcionamento tem um nome feio.

Se esta situação for generalizada, como se vai afirmando por aí, temos muito a temer pela democracia em Portugal. Será que os projectos de “media” para serem financiados precisam de assegurar algo mais do que a sua rentabilidade actual e/ou futura? A ser afirmativa a resposta, a quem asseguram esse “algo mais”?

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Aprendamos com Keynes

Estou completamente de acordo com Vasco Leite. O investimento público tem efeito multiplicador significativo se existirem fronteiras. Só que, hoje, as fronteiras não são as dos estados-nação, tal como foram pensados a partir da Revolução Francesa, mas, pelo menos, as de certos blocos regionais, como as da União Europeia. Isso obriga a cooperação, no mínimo, entre os estados-nação dentro de cada bloco. Essa cooperação pode passar, no caso da UE, por um orçamento comunitário mais robusto e/ou pela emissão de dívida por parte da Comissão Europeia (evitando ataques especulativos aos países mais frágeis e reduzindo os custos dos, actualmente famosos, Credit Default Swaps).

Se assim não for, a situação de crise não tem saída no contexto actual. Hoje a globalização tem uma expressão que não teve noutros contextos históricos. Mas, historicamente, esse processo teve avanços e recuos. O caso da primeira guerra mundial explica muito bem como é que de uma época de prosperidade sustentada em crescentes trocas comerciais se degenerou para um período de conflito e, depois, no regresso a todos os nacionalismos e ao fim de muitas democracias.

Keynes percebeu isso melhor do que ninguém e expressou-o em vários textos (a Relógio d'Água editou recentemente uma colectânea de textos dele, onde analisa o período que antecedeu a primeira guerra mundial e as consequências do Tratado de Versalhes).

Aprendamos com Keynes, que é uma outra forma de aprendermos com a economia e com a história.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Keynes ainda faz sentido?

Depois desta crise há um debate relativamente ao impacto que o investimento público terá na recuperação da economia, num contexto em que as economias são mais globalizadas, e por isso, mais propensas às importações. Argumenta-se que perante um aumento da procura resultante do investimento público num determinado país, os efeitos sobre o produto são escassos porque parte significativa dessa procura é satisfeita por via do aumento das importações. Por outro lado, as economias Keynesianas dos anos 50 e 60, sendo economias tipicamente fechadas, nas quais o comércio internacional era escasso, o efeito do investimento público na produção era bastante mais acentuado, pelo que se argumenta que a política pública era mais eficaz nessa época.

Este debate sendo interessante é inócuo no seguinte ponto. Actualmente deixa de fazer sentido falar-se no efeito multiplicador do investimento efectuado por um único país, sendo urgente discutir o impacto nesse país do investimento efectuado por todos os outros países, num cenário de cooperação e planeamento.

O seguinte exemplo é muito claro. Consideremos Portugal e Espanha no nosso exemplo. Se Portugal aumentar o investimento, isso gera um acréscimo na procura que é satisfeita em parte pelas importações oriundas de Espanha. Mas se Espanha aumentar também o seu investimento, isso gera um acréscimo na procura que será satisfeita por importações oriundas de Portugal. Em ambos os casos, o aumento do investimento de cooperação provoca o aumento do comércio internacional, o que origina um aumento da produção nos dois países, o que não aconteceria se fosse um único país a dar um choque positivo no investimento.

Por isso, é urgente passar da análise do efeito multiplicador isolado, para o efeito multiplicador da cooperação à escala multi-regional. Se a globalização aumenta a integração das economias, parece claro que a transmissão desses efeitos entre os países é mais significativa. Parece paradoxal mas, nas economias o que a globalização abriu, a cooperação voltará a fechar, recuperando-se em parte os efeitos keynesianos de quando as economias eram um pouco mais fechadas. Não é por acaso que actualmente se fala em cooperação ao nível internacional relativamente às políticas públicas, sendo esta temática muito abordada durante a crise que estamos a viver. Parece que estamos a voltar ao tempo do planeamento económico. Espero bem que sim.

Vasco Leite
Economista

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Saber fazer políticas públicas

As políticas públicas são enunciadas em termos gerais pelos políticos. Por detrás desse enunciado estão sempre um conjunto de dispositivos técnicos, financeiros e institucionais que as permitem concretizar.

Quem o define e aplica são pessoas concretas: “policy makers”, gestores, técnicos, etc. A sua definição e aplicação pressupõe que quem o faz é capaz de lhe dar resposta como hipotético beneficiário. Isto é, quem estabelece em concreto estes dispositivos e os aplica tem que se colocar na posição dos beneficiários das respectivas políticas. A pergunta certa a que deve procurar responder é: se eu fosse um dos potenciais beneficiários do(s) público(s)-alvo a que se destina uma política seria capaz de concorrer com sucesso ao respectivo apoio público?

Enfim, quem planear e/ou gerir políticas públicas e não for capaz de responder a esta questão relativamente a cada uma das polícias que propõe e/ou gere, então, não sabe o que faz. É que, neste campo, saber fazer é uma das principais formas de saber. De outra forma, é como se fosse possível a um professor fazer um exame colocando perguntas a que não sabe responder.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

O poder das ideias simples

“In the summer of 1976 I got a first taste of the policy world myself, as part of a small group of MIT students sent to work for the central bank of Portugal for three months. At the time Portugal was in considerable chaos, in the aftermath of a revolution and an attempted coup; much of the challenge was simply to figure out what was going on. What I learned from that experience was the power of very simple economic ideas and simultaneously the uselessness of theories that cannot be given operational content. In particular, my experience in a country in which it was a major challenge even to decide whether output was rising or falling gave me a lasting allergy to models that tell you that a potentially useful policy exists without giving you any way to determine what that policy is.”

Paul Krugman

Uma frase merece um sublinhado face a tudo o resto. Em Portugal, durante o período conturbado do pós 25 de Abril, tinham mais poder as ideias económicas simples do que, propriamente, as teorias que, nesse contexto histórico, não tinham qualquer utilidade prática.

No 25 de Abril como hoje as ideias simples são as melhores. Deixo aqui uma ideia simples, no actual contexto histórico, de Pedro Lains escrita no Jornal de Negócio esta semana:

“O crescimento não vem de reformas [estruturais], vem do trabalho, do investimento, da tecnologia e da inovação. Ponham em cima da mesa um caso de crescimento com base em reformas estruturais e, quando virem que não conseguem, chegarão [a esta] mesma conclusão"

terça-feira, fevereiro 16, 2010

Subitamente no Verão passado ... (Conclusão)

Este estudo de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira permite-nos tirar conclusões muito interessantes. Aqui vão um par delas:

1. Os trabalhadores não qualificados do sector público ganham bastante mais do que os seus congéneres do sector privado. É pena que o estudo não tenha avançado mais nesta análise;

2. O peso dos não qualificados no sector privado, comparativamente ao do sector público, é esmagador. Os trabalhadores não qualificados do sector privado ganham muito pouco. Em regra, ganham o salário mínimo ou pouco mais. Mais, a desigualdade salarial no sector privado é enorme. Isto diz muito sobre o perfil de especialização da economia portuguesa e sobre o que somos e o que queremos ser como país;

3. Os trabalhadores da Administração Pública que dispõem de licenciatura ganham mais à entrada, mas a sua progressão na carreira é muito mais lenta. Só que nos últimos anos têm entrado muito poucos funcionários Assim, se é verdade que os trabalhadores do sector privado ganham menos no início, passado alguns anos os seus salários ultrapassam os do sector público;

4. Os salários de uns e outros estão correlacionados, o que não é novidade. Os níveis salários do sector público influenciam os do privado e vice-versa;

5. As profissões que só existem na Administração Pública ou que são dominantes no mercado de trabalho têm níveis salariais superiores aos das profissões do sector público que estão em concorrências com as do sector privado (licenciados em engenharia, direito e economia);

6. Essas profissões são mais mal pagas no sector público do que no privado e esse diferencial acentua-se ao longo do tempo. Na prática, o sector público não é concorrencial com o privado para este perfil de trabalhadores;

7. Este estudo não incorpora todas as alterações verificadas desde 2005. Em 2006, 2007 e 2008 verificaram-se perdas de salários reais na função pública, que só muito parcialmente foram compensadas em 2009;

8. Também durante este período, foi alterado o regime contratual da função pública. O regime de nomeação foi substituído pelo contrato de funções públicas, que configura uma precarização do vínculo contratual e, em geral, uma equiparação desse vínculo ao previsto para todos os restantes trabalhadores (estabelecido no Código do Trabalho);

9. Nesse processo, as progressões na Administração Pública foram significativamente restringidas. As progressões obrigam a uma acumulação de 10 pontos nas sucessivas classificações de serviço anuais, sendo que, por um lado, as classificações de “Bom”, “Muito Bom” e “Excelente” asseguram, respectivamente, pontuações de 1, 2 e 3 e, por outro, as classificações de “Muito Bom” e “Excelente” não podem ultrapassar, respectivamente, 20% e 5%. Em média, um trabalhador da função pública vai precisar de 8 anos para progredir para a categoria seguinte; podendo esse período atingir, no limite, os 10 anos;

10. O Recenseamento Geral da Administração Pública incorpora todos os funcionários que trabalham para o Estado independentemente do tipo de vínculo. A maior parte dos cidadãos imagina que todos s que trabalham para o estado o fazem com contratos estáveis. Não é assim. Uma percentagem muito significativa desses funcionários, em especial dos mais novos, dispõe, simplesmente, de contratos a prazo.

Em suma, este estudo é muito interessante e só foi pena que os seus autores optassem aqui e ali por um estilo panfletário. Esse registo só permite que, colectivamente, vamos exprimindo o nosso pior defeito: a inveja. Os salários de ambos os sectores estão estreitamente relacionados. Não é por os salários dos funcionários públicos serem piores ou por estes terem piores condições de trabalho que os trabalhadores do sector privado ficam melhor. Também se os salários dos trabalhadores do sector privado e as suas condições de trabalho se degradarem, os funcionários públicos não ficam melhor. Muito pelo contrário.

Esta disputa, colocada neste termos, só interessa aos patrões e administradores de empresas que querem cada vez mais pagar menos aos seus trabalhadores. A inteligência ou, sobretudo, a falta dela não é património dos trabalhadores do sector público ou do privado. Como nos diz Carlo Maria Cippola, a estupidez está subestimada no universo humano. Há sempre mais estúpidos do que imaginamos. Para este autor, um estúpido é alguém que produz danos a outro ou outros sem que daí retire qualquer benefício, pelo contrário, gerando prejuízos a si próprio também. Quem é que quer continuar a ser estúpido?

Subitamente no Verão passado ... (Parte V)

A seguir os autores passam a comparar aquilo que, aparentemente, é comparável. Começam por excluir deste exercício as funções que só existem no Estado (juízes, magistrados, diplomatas, etc). Dos restantes licenciados da Administração Pública, separam-nos em dois grupos. O primeiro agrega as profissões em que o Estado é o empregador dominante, embora também existam no sector privado, como: médicos, enfermeiros, professores do ensino básico, secundário e superior. O outro abrange os profissionais que estão bem representados em ambos os sectores, tais como: engenheiros, economistas, informáticos e juristas.

Os do primeiro grupo, na média, auferem mais do que os seus congéneres privados (+27,5%). Face a isto, os autores referem que este diferencial pode ser um indicador de que estas profissões não são completamente compráveis nos dois sectores. Sublinham, a este propósito, as áreas da saúde e do ensino superior, onde muitos dos seus profissionais públicos desempenham funções particularmente exigentes em termos de qualificações, as quais não têm correspondência no sector privado. Os salários que estes funcionários públicos auferem também reflectem, por sua vez, o seu poder negocial, decorrente da importância social das suas funções e do papel dos seus sindicatos.

Quanto aos outros, a situação é completamente inversa. Na média, um engenheiro, um informático, um jurista ou um economista da função pública ganha menos, respectivamente, -4,3%, -13,8%, -1,1% e – 18,6% do que um trabalhador com idênticas habilitações no sector privado. Este diferencial no terceiro quartil passa para -19,1%, -26,3%, -21,8% e – 36,6%.

Este diferencial ocorre, ainda por cima, sem se tomarem em consideração “compensações em espécie e outros benefícios, que têm particular relevâncias no sector privado”.

Se for licenciado em engenharia, direito ou economia e se alguém lhe vier falar dos privilégios da função pública, esfregue-lhe com este números na cara.

Todas as partes estão analisadas. Talvez falte uma síntese global. É o que iremos fazer a seguir.

(continua)

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Subitamente no Verão passado ... (Parte IV)

Face à importância na explicação dos resultados globais, os autores passam, no momento seguinte, a efectuar uma análise comparativa dos trabalhadores licenciados nos sectores privado e público. Continua-se, mesmo neste exercício, a meter no mesmo saco profissões que só existem no Estado, que não têm qualquer paralelo no sector privado (magistrados judiciais e do Ministério Público, diplomatas, etc), e outras em que esse mesmo Estado tem um papel dominante no mercado de trabalho (professores universitários e do ensino básico e secundário, médicos, enfermeiros, etc), não existindo, propriamente, condições para a existência de concorrência entre salários.

Neste exercício, verifica-se que no início da carreira a Administração Pública paga melhor. No entanto, passado muito pouco tempo esse diferencial deixa de existir e são os trabalhadores do sector privado que passam a auferir muito mais, sobretudo a partir de 10 anos de experiência profissional.

Também existe um dado curioso. É verdade que os funcionários públicos têm um prémio à entrada em relação aos do privado. Só que, simplesmente, quase não têm sido admitidos novos licenciados na Administração Pública. Aquilo que é uma vantagem teórica acaba por não se concretizar na prática. Essa perda de importância do Estado como empregador de licenciados não deixa de ter consequências sobre os salários pagos no sector privado. Como sublinham os autores, “as empresas, ao terem de concorrer menos por estes trabalhadores, terão baixado o salário de entrada”.

Enfim, há cada vez mais licenciados. O Estado não só não tem acompanhado este aumento da oferta como está mesmo a diminuir as suas admissões. O sector privado, face a isto, tem vindo a diminuir os salários à entrada. Mesmo assim, passados alguns anos, os licenciados do sector privado auferem salários superiores aos dos seus congéneres públicos.

Mais uma parte resolvida. Mas vêm aí mais reflexões interessantes.

(continua)

domingo, fevereiro 14, 2010

Subitamente no Verão passado … (Parte III)

Chegamos ao ponto que mais foi sublinhado pela imprensa. Os funcionários públicos ganham muito mais que os seus congéneres privados. O diferencial, em 2005, já ia nos 75%.

Embora se procurem compatibilizar as categorias dos trabalhadores da Administração Pública com as do privado, reclassificando os primeiros de acordo com a Classificação Nacional de Profissões, exercício algo arbitrário quando se sabe que muitas das funções públicas não têm equivalência no privado (juízes, magistrados, polícias, etc) e que outras são dominantes (médicos, enfermeiros, professores universitários, etc), um dado suscita, logo, algumas dúvidas quanto à própria legitimidade da comparação. Enquanto na Administração Pública cerca de 50% dos trabalhadores dispõem de formação universitária, no sector privado essa proporção é de 10%.

Seria mais ou menos o mesmo que, com todos os ajustamentos necessários, proceder à comparação dos salários dos investigadores do Banco de Portugal que efectuaram este estudo com os dos trabalhadores da pastelaria da esquina que lhes servem o primeiro café da manhã.

O que é mais impressionante nestes dados, mais do que o tal diferencial de remunerações, é a qualificação dos trabalhadores do sector privado (e o que ela revela sobre o seu perfil de especialização) e os baixos níveis de remunerações que usufruem. A mediana dos salários no sector privado é de 626 € e, mais do que isso, a sua “distribuição encontra-se bastante concentrada em torno do salário mínimo nacional”. Os salários do sector privado têm uma grande concentração no primeiro quartil e uma estrutura unimodal, já os do sector público têm uma menor concentração, apresentando uma distribuição plurimodal, de acordo com a diversidade das carreiras existentes.

Em conclusão, a grande notícia não é o diferencial dos salários entre os sectores público e privado. A grande notícia pode ser qualquer uma destas: (i) o baixíssimo nível de qualificação dos trabalhadores do sector privado e das suas remunerações (muito próximas do salário mínimo nacional), (ii) a elevada desigualdade salarial neste mesmo sector. Qualquer uma delas dá-nos informações muito importantes sobre o que somos. Sobre o perfil de especialização do sector privado em Portugal e do seu contributo para um dos níveis de desigualdade social mais elevados da União Europeia.

Quanto a esta parte, estamos conversados. Vamos passar a comparar aquilo que é comparável. As surpresas vêm aí.

(Continua)

domingo, fevereiro 07, 2010

Subitamente no Verão passado … (Parte II)

Este mesmo trabalho referia que não só os funcionários públicos ganhavam mais que os seus congéneres privados como esse diferencial se tinha agravado em 25 pp de 1999 a 2005. Sabendo-se que durante esse período, na função pública, houve de tudo para se evitar o aumento dos salários em termos reais e, mesmo, nominais (congelamento de salários e carreiras nuns anos e em várias categorias profissionais, progressões limitadas a avaliações de desempenho de “excelente”, reduzidas a uma quota de 5%), esta conclusão não deixava de suscitar uma certa perplexidade.

A ser verdade isto, então, durante este período, ter-se-iam registado em Portugal reduções nominais de salários no sector privado. Isto não é possível e, simplesmente, não aconteceu. A explicação vem um pouco à frente. Com efeito, os autores confirmam que a cobertura dos dados do sector privado tem vindo a aumentar, passando a incluir, nos Quadros de Pessoal, uma “maior número de empresas de pequena dimensão, às quais estão normalmente associada uma penalização salarial”.

Enfim, efectuaram-se duas comparações em dois momentos no tempo que não são metodologicamente aceitáveis. Compararam-se duas coisas que não são comparáveis. Os autores sabem bem disso. Porque é que o fizeram, ainda para mais, em nome do Banco de Portugal? Mistério…

Quem quer um “think tank” neoliberal deve-o pagar. Colocar todos os portugueses a pagá-lo parece-me um abuso.

Quanto a esta parte, também estamos conversados.

(continua)