quinta-feira, março 20, 2008

A reputação na Administração Pública

Para aqueles que são fanáticos das discussões sobre avaliação do desempenho e a meritocracia na Administração Pública, aconselho a leitura da “Empresa Moderna” de Jonh Roberts (distinguido pelo “The Economist” como “Best Business Book”). Trata-se de uma obra, a todos os títulos, insuspeita. Não foi escrita por nenhum sindicalista nem por ninguém que defenda teses conservadoras sobre o mercado de trabalho e o emprego. Mais, fala sobre empresas e não sobre a Administração Pública.

Este autor, sacrilégios dos sacrilégios, vem propor que se adoptem nas empresas sistemas de incentivos aos seus colaboradores muito alinhados por princípios cuja aplicação na Administração Pública sempre defendi, como, aliás, muitas outras pessoas que conhecem muito bem (e por dentro) as missões que estão destinadas a essa mesma Administração. Jonh Roberts vem, de uma forma muito sustentada analítica e empiricamente, sublinhar aspectos que, a meu ver, são evidentes mas que, por ignorância ou má fé, estão sempre ausentes desta discussão. Em primeiro lugar, as pessoas fazem parte de uma organização e, antes de mais, é no contexto dessa organização que devem ser avaliadas e incentivadas. Uma empresa, um instituto, uma direcção geral são formas de organização tendo em vista consecução de uma dada estratégia. Dito de forma simples, um dado tipo de organização está ao serviço de um estratégia e as pessoas inserem-se na organização na exacta medida em que permitem que ela, no seu conjunto, responda a essa estratégia.

O desempenho das pessoas deve ser aferido a partir deste ponto de vista. E, aí, temos que perceber que certos incentivos que promovam a iniciativa individual e o desempenho pessoal podem gerar efeitos perversos. Por exemplo, é normal que um vendedor seja avaliado e incentivado em função das vendas que promove. Mas, por exemplo, um departamento de I&D deve ter incentivos que promovam a iniciativa individual e/ou que promovam lógicas cooperativas? Neste caso, somos levados a pensar que estimular a iniciativa individual, a partir de certos níveis e sem contraponto com incentivos que estimulem lógicas de funcionamento cooperativas, pode dar os piores resultados possíveis.

Também é muito diferente avaliar quem desempenha uma só tarefa ou quem desempenha mais do que uma tarefa. E a situação ainda se complica mais quando uma das tarefas pode ser aferida com objectividade enquanto as outras o não podem ser. Esta situação gera os incentivos mais perversos. Na dúvida, existe uma concentração nas actividades que podem ser mais facilmente quantificadas e avaliadas objectivamente, mesmo que isso seja contrário à própria estratégia que a organização persegue.

Não pretendo com este comentário substituir-me à leitura do livro. Por essa razão, gostaria de concluir com um ponto, que me parece muito interessante, explorado por John Roberts. Um dos aspectos que ele reconhece como muito importante para se conciliarem incentivos à iniciativa individual com o trabalho de equipa, e, em especial, em situações multi-tarefa (onde, ainda por cima, nem sempre é possível aferir o desempenho de forma estritamente objectiva e quantificável), é o da reputação de quem avalia. Só um elevado nível de reputação, reconhecida interna e externamente, de quem avalia é que permite, em muias circunstâncias, conciliar estas duas lógicas (iniciativa individual, por um lado, e cooperação, por outro).

As questões que esta análise suscita são muitas e “mortais” para o sistema que hoje está montando na Administração Pública. Será que estamos a recrutar para Altos Dirigentes e Dirigentes Intermédios pessoas com o nível de reputação necessário? A lógica de nomeação política dos Altos Dirigentes é a melhor forma de se assegurar essa reputação?

domingo, março 16, 2008

O valor de uma metáfora

Apetece-me parafrasear o que dissemos há um par de anos atrás sobre a Região do Norte a propósito da recente vitória europeia do Sporting sobre o Bolton. Neste caso, apetece dizer que “há qualidades nacionais que têm no Sporting manifestações tão expressivas, que é como se o país existisse maioritariamente neste clube”.

Servimo-nos, muitas vezes, do futebol como metáfora. Por que, de facto, o futebol tem um profundo sentido metafórico. E o Sporting é a melhor alegoria que se pode encontrar sobre Portugal. Não conseguimos fazer o óbvio, não somos capazes de suportar passo a passo a rotina dos dias (ou dos jogos do campeonato), mas somos capazes, num determinado momento, de nos superar. E, com frequência, ultrapassamo-nos quando isso é mais improvável.

O Pereirinha é hoje, por essa razão, o símbolo dessa metáfora portuguesa. Tecnicamente, não parece ser nem muito bom nem muito mau. Fisicamente, não é, nem muito alto nem muito baixo, nem muito musculado nem tem estrutura de fundista. Parece um jogador normal. Mas, ontem, foi o herói. Acidental, dirão uns. Eu diria que ele foi o herói que todos temos dentro de nós, pessoas simples e mortais.

Ontem, o Sporting foi uma bela metáfora de Portugal. Podemos perder tudo o que vier a seguir, mas o valor desta metáfora já ninguém nos tira. Ontem, o país reviu-se no Sporting (como, não nos esqueçamos, se reviu, no fim-de-semana, na Naide Gomes) e nós, por momentos, fomos o país.

segunda-feira, março 10, 2008

A irritação de ASS

Um dos cronistas que mais apreciei ler no "Público" foi, sem sombra de dúvidas, o Augusto Santos Silva (ASS). Sobretudo, antes de ir para o governo de António Guterres.

Não posso esquecer o que escreveu quando, evocando a memória de um colega seu e, nesse contexto, falando da sua geração, dizia que "[...] há uma coerência no nosso caminhar. É a opção pela outra margem, a margem que não é necessariamente política ou de esquerda, mas, mais amplamente, o lugar-outro de onde se pode interrogar o adquirido e o instituído, o costume e a autoridade, o dogma e a rotina, onde se podem exercer a inteligência e a liberdade para criticar as coisas, e nós nelas, e continuamente reinventar a nossa identidade, onde podemos encontrar distância para fazer a crítica do que existe e propor, experimentar, criar, onde podemos dizer que sim e que não, e não apenas que sim, onde podemos tentar ligar o que parece desligado, e desligar o que parece tão ferreamente ligado, e em tudo isso sentirmo-nos homens e mulheres autónomos, isto é, obedecendo à sua própria lei".

Não consigo descobrir naquele político colérico e apoplético de ontem, em Chaves,o homem que foi capaz de escrever estas belas palavras sobre a sua geração. Quando é que este homem se perdeu?...