segunda-feira, novembro 01, 2010

Mas que grande nó cego!

Vítor Bento é um dos mais sérios economistas portugueses “mainstream”. É sério porque expõe o seu diagnóstico sobre a situação da economia portuguesa com rigor e procura, dentro do seu quadro conceptual, encontrar soluções. Enfim, expõe-se e não se limita a criticar e a dizer sempre que andou a avisar. Neste novo livro (“O Nó cego da economia. Como resolver o principal bloqueio do crescimento económico”) retoma e aprofunda o diagnóstico e as soluções que já tinha apresentado no anterior (“Perceber a crise para encontrar o caminho”).

Neste aprofundamento algumas coisas mudaram um pouco em relação ao texto anterior. Segundo o autor, a crise começa com o processo deflacionário da economia portuguesa que se inicia, grosso modo, com a adesão ao Sistema Monetário Europeu, isto é, com o abandono da desvalorização deslizante do escudo (”crawling peg”). Assim, não começa com a adesão ao Euro ou após 1995, como se apontava anteriormente. As soluções para a economia portuguesa são agora analisadas também em contextos mais alargados, que são o da União Europeia e o da zona Euro.

Mesmo assim, continua um ou outro julgamento moral. O último capítulo é, a esse título, o pior. Os alemães moralmente são superiores aos povos do sul da Europa e essa superioridade é que explica o seu sucesso económico e a sua supremacia política. Não existe qualquer enquadramento histórico sobre o pós segunda guerra mundial e sobre o papel dos Estados Unidos e de muitos aliados no perdão da dívida alemã e na criação das condições para o seu desenvolvimento e do da Europa. O “Plano Marshall” e coisas assim nunca existiram e tudo se deve à capacidade de trabalho e à propensão para a poupança dos alemães. De um lado está a virtude; do outro todos os defeitos. De um lado está o trabalho e a forretice; do outro está a preguiça e o desperdício. De um lado está a formiga; do outro está a cigarra.

Não concordo com este tipo de raciocínio. Para além do mais, ele é inútil. Colocadas assim as coisas, a política económica não tem qualquer utilidade e pertinência. As coisas são determinada genética e sociologicamente e a esse nível a economia e a política nada podem fazer. A análise económica feita nestes termos, apesar do recurso a expressões como “as funções de preferência social dos países”, nega-se a si mesma.

Mas esta é a parte que menos importa. O que importa são as soluções apontadas a nível nacional e europeu.

A nível nacional, aponta-se a necessidade de se reproduzirem os efeitos que uma desvalorização cambial produziria. Assim, não se podendo mexer na taxa de câmbio nominal, ajusta-se a taxa de câmbio real. Para esse efeito, ajusta-se o nível de preços internos. Ajustar o nível de preços internos passa, antes de mais, pela redução dos preços dos bens e serviços não transaccionáveis, até porque o sector dos bens e serviços transaccionáveis actua em regime de “price taker” e, portanto, os respectivos preços já se encontram alinhados, por definição, com os internacionais.

A nível europeu, o processo de reequilíbrio macroeconómico, tendencialmente deflacionário, dos PIIGS teria que ser compensado pelo aumento da procura interna da Alemanha e dos países alinhados com a sua economia. A contracção de todas as economias, como se está a verificar, tenderá a gerar um espiral contracionária e, mesmo, deflacionária sem fim à vista e de consequências imprevisíveis.

A meu ver, estas soluções não têm grande futuro. Os problemas que levaram a esta situação são aqueles que impedem estas soluções.

Em primeiro lugar, o ajustamento interno dos preços pressuporia que fosse possível um acordo (um pacto social, segundo o autor) com os responsáveis, empresarias e sindicais, deste sector dos não transaccionáveis. Estes representantes teriam, assim, os seus interesses alinhados com o interesse nacional a longo prazo. Só que o capital não tem pátria. A posse destes sectores há muito tempo que não é nacional. Mais, a posse de muitas das “utilities” é de vários tipos de fundos(de pensões, etc), cuja gestão valoriza a óptica do curto prazo. Mesmo que a propriedade fosse nacional, já se viu até onde chega o patriotismo dos nossos capitalistas ou a sua visão de longo prazo.

A nível europeu, deflacionar de um lado para inflacionar do outro precisa de outra política monetária do lado do BCE. Não nos parece que daí venha nada de novo. Por outro lado, os desequilíbrios macroeconómicos dos PIIGS foram largamente fomentados pela Alemanha (através de uma política consistentemente deflacionária), que foi quem com eles mais lucrou. Depois de ter lucrado com eles, duvido que esteja muito interessada em arranjar qualquer solução. A partir de agora, virar-se-á para outro lado, e há muitos sítios no mundo para onde se virar.

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