quinta-feira, dezembro 02, 2010

Podemos ser pró ou contra; o que devemos é ser alguma coisa

A partir deste programa, e do muito que se lá disse, podem-se tirar conclusões muito relevantes para a análise da situação económica e financeira de Portugal e dos PIIGS no contexto da União Europeia. Vamos por partes.

1. Se os mercados avaliam sempre bem o risco e se a cada pacote de austeridade em vez de se reduzirem as taxas de juro das dívidas soberanas estas taxas aumentam ainda mais, então, é porque os mercados consideram que, depois desses pacotes, o risco de insolvência dos respectivos países aumenta. Mais, provavelmente, esta especulação em dominó sobre as diferentes dívidas soberanas talvez seja uma demonstração que os mercados consideram este problema como um problema do conjunto da Zona Euro e não de um ou outro dos países que a constituem.

2. Estes desequilíbrios na Zona Euro vêm de muito longe. Vêm desde o Tratado de Maastricht. Vêm, no caso português, do processo desinflacionário desenvolvido pelo Cavaco, decorrente da nossa assinatura do Tratado de Maastricht. Foi aí que se criou a ilusão, não só em Portugal (nomeadamente no Banco de Portugal) mas na União Europeia também, que, com a criação do Euro, os défices das contas-correntes dos países deixavam de ser importantes. Está-se a pagar muito caro essa ilusão.

3. Os ricos e os pobres ou, de outra forma, a desigualdade na distribuição de rendimentos e o endividamento são duas faces da mesma moeda. Hoje, no Ocidente assiste-se a um fenómeno de (re)concentração da riqueza (mais evidente nos Estados Unidos do que, propriamente, na Europa). É verdade que os ricos têm uma maior propensão para a poupança, enquanto os pobres têm uma maior propensão para o consumo. Vistas as coisas desta forma, aumentar a desigualdade de rendimentos permitiria reduzir o endividamento. Nada de mais errado. O que têm feito os ricos com o acréscimo de rendimento tem sido aplicá-lo em activos cada vez mais líquidos que, com frequências, constituem produtos estruturados que não são mais do que dívidas contraídas pelos mais pobres e resultantes do facto de estarem a ficar cada vez mais pobres. A poupança de uns gera endividamento dos outros e vice-versa.

4. Nenhum país sobrevive a endividar-se a taxas de juro como a maior parte dos países periféricos da União Europeia tem estado a transaccionar a sua dívida soberana. Nem sequer nenhum deles está em condições de pagar a taxa que tem vindo a ser negociada pelo FMI e/ou pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Nenhum país pode ficar completamente refém dos mercados financeiros. Em situações como esta, é necessário algum financiamento monetário da economia. É gerador de inflação, mas a inflação, nesta altura, é o menor dos nossos problemas (o próprio Olivier Blanchard o admite). A inflação gera, aliás, uma redistribuição entre aforradores e devedores, muito conveniente neste momento.

5. O nosso maior problema é o endividamento externo e precisamos de instrumentos de política para o combater. Não temos os mais convencionais, como a taxa de câmbio. O problema da nossa economia é um problema de competitividade e é preciso assentar aí a nossa argumentação com as autoridades europeias. Temos que ser criativos. A proposta de João Ferreira do Amaral de se descriminarem positivamente em todos os contextos possíveis os sectores transaccionáveis parece muito interessante. Esta política de curto prazo teria que ser combinada com outra de horizontes mais largos (de melhoria do capital humano, aposta na inovação, reforço da intensificação tecnológica da produção nacional, etc). Parece uma solução bem mais simples e viável do que a protagonizada por Vítor Bento, que propõe um pacto nacional para se alterarem os preços relativos dos bens e serviços transaccionáveis relativamente aos não transaccionáveis.

6. Não parece que, em Portugal, a redução de salários e o aumento da flexibilidade da legislação laboral venham a resolver alguma coisa. Muito pelo contrário, com o nível actual de endividamento das famílias, que é o mais elevado da Europa, corre-se o risco de se cair numa tragédia social e financeira. Uma aposta na redução dos salários vai-se traduzir, inexoravelmente, num acréscimo dos incobráveis.

7. Ser favorável a um ajustamento mais gradual da economia portuguesa e do défice público não quer dizer que se contemporize com autênticas situações de descontrolo na execução orçamental. Desse ponto de vista é fundamental sujeitar ao escrutínio e controlo as entidades empresariais do Estado que contribuem, embora de forma mais indirecta, para a despesa pública. É que é sempre daí, como é o caso este ano das Estradas de Portugal, que vem o buraco.

Em conclusão, o debate propiciado por este programa permitiu verificar que as ideias contam. Não existe nada pré-determinado. As políticas resultam de escolhas e, em democracia, em escolhas legitimadas pelo voto. Mais, a Europa é uma construção de todos os povos e, portanto, de nós portugueses também.

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