Acabei de ler o editorial de Luísa Bessa no Jornal de Negócios sobre “O poder do Norte” e não posso deixar de o comentar. Trata-se, a meu ver, de um texto que tem o mesmo problema que quase todos os textos que sobre o “Norte” e a sua economia se escrevem. Dá-se como válido um conjunto de pressupostos e, a partir daí, conclui-se uma série de coisas. Vamos ver um dos pressupostos de cada vez:
1) A afirmação de que o “Norte não se preparou para o embate inevitável” pressupõe que o “Norte”, colectivamente, se podia preparar e não o fez. Politicamente e, por isso, como entidade colectiva o “Norte” não existe e, deste modo, não se podia preparar como um todo. A existir uma responsabilidade colectiva, ela é, globalmente, do país e dos seus sucessivos governos. Eu diria de outra forma. Eu diria que o país não se preparou para o “embate inevitável”, embate esse que tinha no Norte o seu principal foco. Podemos afirmar, até, que os sucessivos governos foram negligentes, por acção ou omissão, quanto ao futuro de uma parte muito importante da população portuguesa que reside a "Norte";
2) Deixemos, então, essa responsabilidade colectiva do Norte e passemos para a responsabilidade individual dos seus agentes económicos. Alguém está preparado para morrer? Eu não estou. Quando falo com os meus amigos, nenhum deles o está também. Mais, evitamos falar sobre este assunto, porque não queremos admitir que vamos morrer um dia. Nas empresas passa-se, mais ou menos, o mesmo. Algumas teriam que “morrer”. Deste ponto de vista, as empresas preparam-se para resistir ao “embate”. Umas não resistem e morrem outras resistem e, como na maior parte das experiências negativas e sofridas, saem mais fortes e competitivas. Os dados não permitem concluir que são assim tão poucas as empresas que resistiram e resistem no “Norte” como a sua expressão sobre a ausência de “massa crítica” quer fazer crer. Só para dar dois exemplos, os últimos dados disponíveis e tratados (da CCDR-N, no seu último relatório trimestral da conjuntura), apontam para um crescimento homólogo no último bimestre de 2007das expedições de “vestuário e acessórios de malha” e “calçado” de, respectivamente, 14,1% e 8,0%. Para sectores “tradicionais”, nada mau?! Enfim, estou longe de considerar que a competitividade actual da economia do Norte é a desejável e, sobretudo, aquela que permite assegurar os acréscimos de rendimento e emprego que todos pretendemos. Estou é ainda mais longe de afirmar que, com honrosas excepções, a economia do Norte está para acabar. O tecido produtivo do Norte continua a mostrar maior resiliência do que aquela que os discursos sobre ele nos pretendem fazer crer. Tem menos empresas do que tinha em muitos sectores, mas continua a ter muitas e boas empresas, mesmo em sectores “tradicionais”;
3) Analisemos, agora, a questão que, implicitamente, coloca entre os grupos empresariais a “Norte” e, por contraponto, os grupos empresariais a Sul (“Lisboa”, entenda-se). É verdade que o processo de privatização não permitiu reforçar os grupos empresariais a “Norte”, grupos esses de base industrial. Mas será que permitiu reforçar os grupos empresariais de “Lisboa”? Tenho as minhas dúvidas. Os tais grupos que ganharam o processo de privatização são, fundamentalmente, grupos da área financeira. Agora, de quem é o capital desses grupos? Em bom rigor, ninguém sabe muito bem, mas português é muito pouco. A derrota, portanto, do “Norte” não foi com “Lisboa”, foi com o estrangeiro. Não tenho nada contra (aliás, “o capital não tem pátria”), não se pode é criar a ilusão que existem fortíssimos grupos económicos portugueses em “Lisboa”;
4) Por outro lado, em que sectores é que actuam esses grupos económicos de “Lisboa”? São em sectores que revelam uma grande capacidade competitiva interna e externa? Bem, o que encontramos de mais representativo em “Lisboa” são os sectores financeiros e as “utilities”. Isto é, estamos em presença de empresas e, globalmente, de sectores que actuam na área da produção de bens e serviços pouco ou nada transaccionáveis e que o fazem no mercado interno em regime de oligopólio e, muitas vezes, de monopólio. Competitividade externa? Qual é o contributo dessas empresas para a nossa balança de bens e serviços? Competitividade interna? Relativamente a quem?
Concluo estas minhas notas com a minha tese. Não se pode criticar os outros sem nos expormos um pouco também. O país e os portugueses devem olhar o “Norte” com esperança. Quase que diria, como a última esperança.
Primeiro, é importante não confundir “produto” com “rendimento”, em especial em matéria de economia regional. Existe essa identidade em termos nacionais, mas será que é assim em termos regionais? Alguém conhece os fluxos inter-regionais? Será que o que é produzido num sítio gera rendimento distribuído nesse mesmo sítio? Esse rendimento gera procura/despesa, também, nesse mesmo sítio? Tenho as minhas dúvidas. Agora tenho uma certeza. Com excepção do “Alentejo” (nesta nova configuração da NUTS II que abrange o “Vale do Tejo”), que representa cerca de 7% do PIB nacional, só o “Norte” é que é exportador líquido.
Segundo, a que é que se deve o crescimento económico português, em especial nos últimos anos do século passado? Ao crescimento do consumo público e privado. Foram estes factores, mais os capitais externos que permitiram adquirir muitos dos activos portugueses (os tais que permitiram criar os grupos económicos de “Lisboa”), que sustentaram o nosso crescimento e, sobretudo, o nosso nível de vida actual. Onde é que territorialmente estes factores mais influenciaram o rendimento “per capita” dos cidadãos? Em “Lisboa”, como é evidente. Quanto ao consumo público e privado, estamos conversados. Não é de esperar que daí venha grande fonte de crescimento. E quanto ao fluxo de capitais? Tirando os fundos estruturais, com a actual crise do mercado de capitais, Portugal é um mercado muito atractivo para eles? Tenho dúvidas, para não dizer que tenho a certeza que não é.
Terceiro e último, o que é que nos resta fazer? Fazer coisas portuguesas com dinheiro português (ou com o dinheiro que cada vez menos nos pretendem emprestar) e ir, de porta em porta, vendê-las no estrangeiro. Quem é que sabe fazer isso? O “Norte”, pois claro. Dizem que é por ser “desenrascado”. Dizem que é por ser mais “liberal”. Dizem que é porque aprendeu com os ingleses a vender “Vinho do Porto” lá fora. Quem sabe, às tantas sabe fazer isso porque ninguém lhe deu uma oportunidade de viver de outra maneira.
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