terça-feira, setembro 13, 2011

Depois os ricos que não se queixem

Será que os americanos estão a gastar mais do que os meios que têm sido postos à sua disposição? Para Robert Reich, no “After-shock. A Economia que se segue e o futuro da América”, esta não é a pergunta certa. A pergunta certa é: têm sido colocados à disposição da maioria dos americanos os meios que lhes permitam gastar o que devem e o que é melhor para o crescimento económico dos EUA? A resposta é não.

Desde há cerca de trinta anos que se vem registando o congelamento e, mesmo, a regressão dos salários reais da classe média americana, apesar do crescimento económico verificado durante esse mesmo período. Em contrapartida, a riqueza nacional tem-se concentrado nos percentis mais elevados. Para que o fosso não fosse maior no que respeita aos níveis de consumo e de qualidade de vida, a classe média tem recorrido a várias estratégias de adaptação. Trabalha mais (as mulheres passaram a ter um participação crescente na população activa, trabalham-se mais horas e acumulam-se empregos em “part-time”) e endivida-se cada vez mas também. O resultado, como se vê, é um agravamento da desigualdade e, sobretudo, um crescimento económico que vai de bolha em bolha especulativa. Mais, não existe mais margem de manobra para a continuação dessas estratégias de adpatação.

Segundo Reich, se nada se fizer no actual quadro político americano, não é de estranhar que em dez anos a resposta política a esta crescente desigualdade se faça fora desse quadro. Não seria estranho que viesse a ser eleito um Presidente com um programa político assente no ressentimento (saída das Nações Unidas, OMC, Banco Mundial e FMI; recusa do pagamento de juros à China e suspensão do comércio com esse país a menos que permita a flutuação da sua moeda; proibição das empresas com lucros de despedir os seus trabalhadores; equilíbrio estrito do orçamento federal; fixação anual de tetos máximos de rendimento; criminalização das transferências financeiras para o exterior; proibição da banca de investimentos; reforço do orçamento da defesa; tolerância zero para os imigrantes; etc). Este seria um cenário político mau para todos, inclusivamente para os mais ricos.

Se não se quer arriscar, o melhor será mesmo, no actual quadro político, estabelecer um novo acordo para a classe média. As medidas apontadas são muito interessantes: imposto sobre o rendimento invertido, que suplemente os actuais níveis de rendimento para a classe média; taxas marginais de tributação mais elevadas para os ricos; generalização do seguro de salário, que fomento o reemprego, em complemento ao tradicional apoio ao desemprego; aumento da oferta de “bens públicos”; etc.

Há uns tempos um médico amigo descrevia uma situação muito interessante vivida no Hospital de S. João depois do 25 de Abril. Antes do 25 de Abril, havia duas cantinas: uma para os médicos e outra para os enfermeiros e auxiliares. Na primeira havia sempre dois pratos à escolha, enquanto na segunda só havia um prato. A primeira reivindicação após o 25 de Abril não foi a de todos passarem a poder optar entre dois pratos. Foi a de os médicos passarem a dispor de um só prato.

Este é um dos exemplos, como muitos outros, em que a psicologia social parece mostrar que as pessoas retiram tanto ou mais prazer na redução dos rendimentos dos outros, quando os consideram ilegítimos, do que no aumento do seus. É para essa economia do ressentimento que parece que vamos caminhando também na Europa e em Portugal. Depois que ninguém se queixe.

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