domingo, outubro 16, 2011

Comparação entre os salários da função pública e os do sector privado

Em meados de 2009 surgiu uma notícia em todos os jornais onde se afirmava, citando o trabalho de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira (“Salários e Incentivos na Administração Pública em Portugal”) do Banco de Portugal, qualquer coisa como “os salários da administração pública são cerca de 75% superiores aos dos que se praticam no sector privado, tendo o diferencial aumentado 25 pp. de 1999 a 2005”. Os trabalhos que tiram este tipo de conclusões têm sempre boa imprensa. É que, contrariamente aos restantes cidadãos, os funcionários públicos são uns malandros e uns privilegiados e é preciso denunciar isso.

Vamos por partes.

Parte I

O estudo começa por afirmar que “a Administração Pública […] é a entidade empregadora de cerca de um quinto da mão-de-obra nacional”, não se explicando onde é que isto empiricamente se encontra sustentado. Aparentemente, os autores limitaram-se a dividir os funcionários identificados no Recenseamento Geral da Administração Pública com um total, que resulta da soma destes funcionários com os trabalhadores por conta de outrem que constam dos Quadros de Pessoal. Como se sabe, um recenseamento (como o Recenseamento Geral da Administração Pública) abrange todo o universo e, portanto, identificaram-se todos os funcionários públicos. Os Quadro de Pessoal incluem só uma parte dos trabalhadores por conta de outrem (entre 50-70%) e excluem todos aqueles que trabalham por conta própria (profissionais liberais, empresários em nome individual, patrões, etc). Isto é, dão conta de uma só parte do universo.

Para se ser rigoroso, como é que essas contas devem ser feitas? Simplesmente, dividindo o número de funcionários identificados, em 2005, no Recenseamento Geral da Administração Pública (737,8 mil) pela população activa (5.544,9 mil)em 2005. Se assim fizermos, verificamos que os funcionários públicos representam 13,3% da população activa, isto é, "cerca de um oitavo". Mas, se quisermos obter dados mais negativos, podemos sempre dividir esse número de funcionários pelo número de empregados em 2005 (5.099,9 mil). Se assim fizemos, verificamos, agora, que os funcionários públicos explicam 14,5% do emprego total, isto é, "cerca de um sétimo".

Bem, quaisquer que sejam as contas, os funcionários públicos representam entre um sétimo a um oitavo do total, conforme nos referimos ao emprego ou à população activa.

Porque é que os autores falam em “cerca de um quinto”? A expressão “cerca”, num "rigoroso" trabalho académico, acaba por revelar todo um programa político. Convém deixar claro que os malandros dos funcionários públicos para além de ganharem mais do que os outros, ainda por cima, são muitos.

Quanto a esta parte, estamos conversados.

Parte II

Este mesmo trabalho referia que não só os funcionários públicos ganhavam mais que os seus congéneres privados como esse diferencial se tinha agravado em 25 pp de 1999 a 2005. Sabendo-se que durante esse período, na função pública, houve de tudo para se evitar o aumento dos salários em termos reais e, mesmo, nominais (congelamento de salários e carreiras nuns anos e em várias categorias profissionais, progressões limitadas a avaliações de desempenho de “excelente”, reduzidas a uma quota de 5%), esta conclusão não deixava de suscitar uma certa perplexidade.

A ser verdade isto, então, durante este período, ter-se-iam registado em Portugal reduções nominais de salários no sector privado. Isto não é possível e, simplesmente, não aconteceu. A explicação vem um pouco à frente. Com efeito, os autores confirmam que a cobertura dos dados do sector privado tem vindo a aumentar, passando a incluir, nos Quadros de Pessoal, uma “maior número de empresas de pequena dimensão, às quais estão normalmente associada uma penalização salarial”.

Enfim, efectuaram-se duas comparações em dois momentos no tempo que não são metodologicamente aceitáveis. Compararam-se duas coisas que não são comparáveis. Os autores sabem bem disso. Porque é que o fizeram, ainda para mais, em nome do Banco de Portugal? Mistério…

Quem quer um “think tank” neoliberal deve-o pagar. Colocar todos os portugueses a pagá-lo parece-me um abuso.

Quanto a esta parte, também estamos conversados.

Parte III

Chegamos ao ponto que mais foi sublinhado pela imprensa. Os funcionários públicos ganham muito mais que os seus congéneres privados. O diferencial, em 2005, já ia nos 75%.

Embora se procurem compatibilizar as categorias dos trabalhadores da Administração Pública com as do privado, reclassificando os primeiros de acordo com a Classificação Nacional de Profissões, exercício algo arbitrário quando se sabe que muitas das funções públicas não têm equivalência no privado (juízes, magistrados, polícias, etc) e que outras são dominantes (médicos, enfermeiros, professores universitários, etc), um dado suscita, logo, algumas dúvidas quanto à própria legitimidade da comparação. Enquanto na Administração Pública cerca de 50% dos trabalhadores dispõem de formação universitária, no sector privado essa proporção é de 10%.

Seria mais ou menos o mesmo que, com todos os ajustamentos necessários, proceder à comparação dos salários dos investigadores do Banco de Portugal que efectuaram este estudo com os dos trabalhadores da pastelaria da esquina que lhes servem o primeiro café da manhã.

O que é mais impressionante nestes dados, mais do que o tal diferencial de remunerações, é a qualificação dos trabalhadores do sector privado (e o que ela revela sobre o seu perfil de especialização) e os baixos níveis de remunerações que usufruem. A mediana dos salários no sector privado é de 626 € e, mais do que isso, a sua “distribuição encontra-se bastante concentrada em torno do salário mínimo nacional”. Os salários do sector privado têm uma grande concentração no primeiro quartil e uma estrutura unimodal, já os do sector público têm uma menor concentração, apresentando uma distribuição plurimodal, de acordo com a diversidade das carreiras existentes.

Em conclusão, a grande notícia não é o diferencial dos salários entre os sectores público e privado. A grande notícia pode ser qualquer uma destas: (i) o baixíssimo nível de qualificação dos trabalhadores do sector privado e das suas remunerações (muito próximas do salário mínimo nacional), (ii) a elevada desigualdade salarial neste mesmo sector. Qualquer uma delas dá-nos informações muito importantes sobre o que somos. Sobre o perfil de especialização do sector privado em Portugal e do seu contributo para um dos níveis de desigualdade social mais elevados da União Europeia.

Quanto a esta parte, estamos conversados. Vamos passar a comparar aquilo que é comparável. As surpresas vêm aí.

Parte IV

Face à importância na explicação dos resultados globais, os autores passam, no momento seguinte, a efectuar uma análise comparativa dos trabalhadores licenciados nos sectores privado e público. Continua-se, mesmo neste exercício, a meter no mesmo saco profissões que só existem no Estado, que não têm qualquer paralelo no sector privado (magistrados judiciais e do Ministério Público, diplomatas, etc), e outras em que esse mesmo Estado tem um papel dominante no mercado de trabalho (professores universitários e do ensino básico e secundário, médicos, enfermeiros, etc), não existindo, propriamente, condições para a existência de concorrência entre salários.

Neste exercício, verifica-se que no início da carreira a Administração Pública paga melhor. No entanto, passado muito pouco tempo esse diferencial deixa de existir e são os trabalhadores do sector privado que passam a auferir muito mais, sobretudo a partir de 10 anos de experiência profissional.

Também existe um dado curioso. É verdade que os funcionários públicos têm um prémio à entrada em relação aos do privado. Só que, simplesmente, quase não têm sido admitidos novos licenciados na Administração Pública. Aquilo que é uma vantagem teórica acaba por não se concretizar na prática. Essa perda de importância do Estado como empregador de licenciados não deixa de ter consequências sobre os salários pagos no sector privado. Como sublinham os autores, “as empresas, ao terem de concorrer menos por estes trabalhadores, terão baixado o salário de entrada”.

Enfim, há cada vez mais licenciados. O Estado não só não tem acompanhado este aumento da oferta como está mesmo a diminuir as suas admissões. O sector privado, face a isto, tem vindo a diminuir os salários à entrada. Mesmo assim, passados alguns anos, os licenciados do sector privado auferem salários superiores aos dos seus congéneres públicos.

Mais uma parte resolvida. Mas vêm aí mais reflexões interessantes.

Parte V

A seguir os autores passam a comparar aquilo que, aparentemente, é comparável. Começam por excluir deste exercício as funções que só existem no Estado (juízes, magistrados, diplomatas, etc). Dos restantes licenciados da Administração Pública, separam-nos em dois grupos. O primeiro agrega as profissões em que o Estado é o empregador dominante, embora também existam no sector privado, como: médicos, enfermeiros, professores do ensino básico, secundário e superior. O outro abrange os profissionais que estão bem representados em ambos os sectores, tais como: engenheiros, economistas, informáticos e juristas.

Os do primeiro grupo, na média, auferem mais do que os seus congéneres privados (+27,5%). Face a isto, os autores referem que este diferencial pode ser um indicador de que estas profissões não são completamente compráveis nos dois sectores. Sublinham, a este propósito, as áreas da saúde e do ensino superior, onde muitos dos seus profissionais públicos desempenham funções particularmente exigentes em termos de qualificações, as quais não têm correspondência no sector privado. Os salários que estes funcionários públicos auferem também reflectem, por sua vez, o seu poder negocial, decorrente da importância social das suas funções e do papel dos seus sindicatos.

Quanto aos outros, a situação é completamente inversa. Na média, um engenheiro, um informático, um jurista ou um economista da função pública ganha menos, respectivamente, -4,3%, -13,8%, -1,1% e – 18,6% do que um trabalhador com idênticas habilitações no sector privado. Este diferencial no terceiro quartil passa para -19,1%, -26,3%, -21,8% e – 36,6%.

Este diferencial ocorre, ainda por cima, sem se tomarem em consideração “compensações em espécie e outros benefícios, que têm particular relevâncias no sector privado”.

Se for licenciado em engenharia, direito ou economia e se alguém lhe vier falar dos privilégios da função pública, esfregue-lhe com este números na cara.

Todas as partes estão analisadas. Talvez falte uma síntese global. É o que iremos fazer a seguir.

Conclusão

Este estudo de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira permite-nos tirar conclusões muito interessantes. Aqui vão um par delas:

1. Os trabalhadores não qualificados do sector público ganham bastante mais do que os seus congéneres do sector privado. É pena que o estudo não tenha avançado mais nesta análise;

2. O peso dos não qualificados no sector privado, comparativamente ao do sector público, é esmagador. Os trabalhadores não qualificados do sector privado ganham muito pouco. Em regra, ganham o salário mínimo ou pouco mais. Mais, a desigualdade salarial no sector privado é enorme. Isto diz muito sobre o perfil de especialização da economia portuguesa e sobre o que somos e o que queremos ser como país;

3. Os trabalhadores da Administração Pública que dispõem de licenciatura ganham mais à entrada, mas a sua progressão na carreira é muito mais lenta. Só que nos últimos anos têm entrado muito poucos funcionários Assim, se é verdade que os trabalhadores do sector privado ganham menos no início, passado alguns anos os seus salários ultrapassam os do sector público;

4. Os salários de uns e outros estão correlacionados, o que não é novidade. Os níveis salários do sector público influenciam os do privado e vice-versa;

5. As profissões que só existem na Administração Pública ou que são dominantes no mercado de trabalho têm níveis salariais superiores aos das profissões do sector público que estão em concorrências com as do sector privado (licenciados em engenharia, direito e economia);

6. Essas profissões são mais mal pagas no sector público do que no privado e esse diferencial acentua-se ao longo do tempo. Na prática, o sector público não é concorrencial com o privado para este perfil de trabalhadores;

7. Este estudo não incorpora todas as alterações verificadas desde 2005. Em 2006, 2007 e 2008 verificaram-se perdas de salários reais na função pública, que só muito parcialmente foram compensadas em 2009;

8. Também durante este período, foi alterado o regime contratual da função pública. O regime de nomeação foi substituído pelo contrato de funções públicas, que configura uma precarização do vínculo contratual e, em geral, uma equiparação desse vínculo ao previsto para todos os restantes trabalhadores (estabelecido no Código do Trabalho);

9. Nesse processo, as progressões na Administração Pública foram significativamente restringidas. As progressões obrigam a uma acumulação de 10 pontos nas sucessivas classificações de serviço anuais, sendo que, por um lado, as classificações de “Bom”, “Muito Bom” e “Excelente” asseguram, respectivamente, pontuações de 1, 2 e 3 e, por outro, as classificações de “Muito Bom” e “Excelente” não podem ultrapassar, respectivamente, 20% e 5%. Em média, um trabalhador da função pública vai precisar de 8 anos para progredir para a categoria seguinte; podendo esse período atingir, no limite, os 10 anos;

10. O Recenseamento Geral da Administração Pública incorpora todos os funcionários que trabalham para o Estado independentemente do tipo de vínculo. A maior parte dos cidadãos imagina que todos s que trabalham para o estado o fazem com contratos estáveis. Não é assim. Uma percentagem muito significativa desses funcionários, em especial dos mais novos, dispõe, simplesmente, de contratos a prazo.

Em suma, este estudo é muito interessante e só foi pena que os seus autores optassem aqui e ali por um estilo panfletário. Esse registo só permite que, colectivamente, vamos exprimindo o nosso pior defeito: a inveja. Os salários de ambos os sectores estão estreitamente relacionados. Não é por os salários dos funcionários públicos serem piores ou por estes terem piores condições de trabalho que os trabalhadores do sector privado ficam melhor. Também se os salários dos trabalhadores do sector privado e as suas condições de trabalho se degradarem, os funcionários públicos não ficam melhor. Muito pelo contrário.

Esta disputa, colocada neste termos, só interessa aos patrões e administradores de empresas que querem cada vez mais pagar menos aos seus trabalhadores. A inteligência ou, sobretudo, a falta dela não é património dos trabalhadores do sector público ou do privado. Como nos diz Carlo Maria Cippola, a estupidez está subestimada no universo humano. Há sempre mais estúpidos do que imaginamos. Para este autor, um estúpido é alguém que produz danos a outro ou outros sem que daí retire qualquer benefício, pelo contrário, gerando prejuízos a si próprio também. Quem é que quer continuar a ser estúpido?

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rui Monteiro

Sou um leitor assiduo dos seus textos, tem sido um prazer ler o que escreve nos 2 blogs.

Sobre este excelente texto, não conheço o estudo, mas sabendo como são feitos muitos estudos em Portugal, como é exemplo este link: http://www1.ionline.pt/conteudo/131659-maria-lurdes-rodrigues-e-joao-pedroso-acusados , acredito piamente na analise que efectou.

A justificação que compara os salarios publico/privados consegue ser ainda mais estupida e errada do que a imposição de corte dos subsidios.

Queria no entanto deixar duas ou tres notas, para as quais se tiver paciencia gostaria que comentasse.

- No inicio dos anos 90, devido um uma politica cambial do governo de manter em alta o escudo, a empresa onde eu e + 300 pessoas trabalham, encontrou serias dificuldades e não teve alternativa senão iniciar um processo de recuperação. Nesse periodo de quase um ano, recebia o salario quando havia dinheiro e a media foi de num ano ter recebido seis salarios, como é obvio muitos desistiram e no final da recuperação apenas restavam na empresa metade dos trabalhadores. Neste processo de recuperação, que quase foi inviabilizado pelo principal credor, Estado, dado não abdicar de receber tudo aquilo que tinha direito, tendo na sentença de viabilização ficado com estatuto especial pois os restantes credores abdicaram de 40%dos creditos.
Na mesma perspectiva, refiro que cerca de 30% do meu salario e de muitos colegas é referente a premios por objectivos, semanais e mensais, no inicio de 2009, com uma pequenissima nota da gerencia, por dificuldades financeiras os premios variaveis estavam suspensos até nova ordem, no final de 2009 voltaram a ser pagos mas os meses que ficaram para tras nunca os recebi e provavelmente nunca os vou receber.
Isto tudo para dizer que no sector privado quando existem dificuldades as empresas, ou tomam medidas duras para os trabalhadores ou encerram e o estado provavelmente nada faz para o evitar, antes pelo contrario.

- Noutra perspectiva, como se compreende, que o BCE empreste dinheiro aos bancos a uma taxa de 1% e depois o estado se financie nesses mesmo bancos a taxas de 6%. Havera algo que esteja a escapar?

- Por fim, uma reflexão, desde as ultimas adesões à UE, na minha perspectiva as dificuldades na economia portuguesa, aumentaram consideravelmente, isto porque na sua maioria são esses paises que agora fazem concorrencia às exportações portuguesas e cativam o investimento externo que antes era canalisado para Portugal, será que em lugar de medidas estupidas baseadas em estudos estupidos, não se deveria fazer um estudo serio sobre a legislação laboral, fiscal, judicial etc.., desses paises, pois será com eles que teremos de competir, não vejo hipoteses de surgir em Portugal uma Nokis ou uma BMW ....

Cumprimentos
A.Alves

Rui Monteiro disse...

Caro A. Alves,

1. É um gosto tê-lo como leitor. Os estudos são importantes. Agora, desconhecendo-se os pressupostos, as conclusões por si só não nos dizem nada. Este estudo é um pouco tendencioso. Um estudo sério deve recorrer a uma linguagem mais neutra, que é diferente de ser neutro no que respeita às conclusões. Mas a corrente de pensamento do Banco de Portugal é conhecida. Sem autonomia monetária, devíamos ter um BP mais dedicado à supervisão financeira, que bem precisamos, e não tanto a fazer estudos e a dar palpites sobre tudo e nada.

2. Esta conversa do público e do privado é um género de conversa do roto a falar ao nu. Estamos todos a passar dificuldades. Mais, os salários e as condições de trabalho de uns e outros estão estreitamente relacionados. Se se degradarem uns, os outros degradam-se também. Agora, esta discussão gera uma fissura enorme. Vira uns contra os outros, como se uns e outros fossem culpados.

3. Como diz, no privado os ajustamento dos salários e das condições de trabalho são mais rápidos, face a alterações das condições económicas e financeiras. Só que a mesma envolvente económico-financeira não gera os mesmos efeitos em todas as actividades empresariais. Há sempre quem ganhe e quem perca, mesmo nas situações mais extremas como as que vivemos.

4. Outra questão importante é o do ajustamento dos salários. O trabalho não é uma mercadoria. A maior parte dos economistas acha que é, mas não é. Por isso, é que os ajustamentos dos salários nunca podem ser plenos.

5. Outra questão ainda é a dos prémios e incentivos. Muitas vezes justificam-se, outras nem tanto. Mesmo quando se justificam, a sua má definição gera incentivos perversos, isto é, não leva aos melhores comportamento dos trabalhadores em função do interesse colectivo das organizações. Noutros casos, essa componente variável é uma forma de pagar menos, sobretudo quando se definem, como acontece muitas vezes, objectivos irrealistas.

6. O BCE não empresta directamente aos Estados porque se convencionou que assim fosse no Tratado de Lisboa. Não é o mesmo que acontece nos EUA, por exemplo. Isto gera um incentivo perverso. Os bancos financiam-se no BCE a taxas baixas para emprestarem aos Estados a taxas mais elevadas. Depois dão como colateral (garantia) esses empréstimos para obterem novos financiamentos. Assim, é mais prático para o bancos emprestarem aos Estados do que aos privados, em que o risco é maior.

7. O nosso principal problema é o défice externo, importamos mais do que exportamos. Tendemos a compensar esse diferencial na balança de capitais. Já foi através das receitas dos emigrantes, dos fundos comunitários e por aí fora. Esse défice externo é agravado por pertenceremos a uma zona económica que gera excedentes líquidos e, portanto, tem uma moeda forte. O problema não seria hoje tão grave se a queda do Muro de Berlim tivesse sido adiada por meia dúzia de anos. Nessa altura, Portugal chegou a estar na moda no que respeita à captação de IDE. Se alguns dos investimentos que chegaram a estar previstos se tivessem sido concretizados, o nosso perfil de especialização teria mudado e estou convencido que não teríamos os mesmos problemas de hoje. Com a abertura a Leste as coisas mudaram. A globalização foi a machadada final. Mas a história é assim; as coisas foram como foram e não se pode voltar a trás.

8. Deixo-lhe uma nota mais pessoal, à troca. Sou professor numa universidade pública e dirigente da administração pública. Tenho muito mais orgulho no que faço como dirigente do que como professor, embora ser professor me traga mais reconhecimento. É um privilégio para mim trabalhar para os meus concidadãos. Quando uma vez descrevi a um bom amigo meu professor de economia, dos que falam na televisão, o que fazia, ele ficou estupefacto por aceitar o salário que aceito. Dizia-me ele que, gerindo muito menos dinheiro, no sector financeiro se ganhava muito mais. Disse-lhe o que lhe digo agora, faço o que faço com muito gosto; o que não gosto é de ser insultado todos os dias.
Um abraço.
Rui Monteiro

Anónimo disse...

Ola Boa tarde

Agradeço o brilhantismo da sua resposta que clarifica e muito as reflexões que apontei.
Sem descurar as causas, procuro é compreender alternativas possiveis, por isso e sem querer abusar, gostava de aprofundar um pouco mais os temas.

1 - O ajustamento dos salarios e condições de trabalho é mais rapido no sector privado, porque no privado não tem outra alternativa ou ajustam rapidamente ou sentem peso do incumprimento, o Estado que é um dos primeiros intervenientes a impor sanções. Porque razão, esta cultura de rigor não é transporta para as empresas do proprio Estado? Isto para dizer que as medidas para equilibro das contas publicas deveriam passar essencialmente pela intervenção do estado nas empresas e serviços que não cumprem os orçamentos aprovados, ajustando tudo aquilo que tiver de ser ajustado ao orçamento disponivel. Medidas avulsas de corte indescriminado de salarios, subsidios, ou aumento de impostos, até podem melhorar o doente durante uns tempos mas estão longe de proporcionar uma cura.

2 - A questão dos juros, continua a ser para mim um enorme misterio, é um dos principais problemas da Europa na actualidade, como é possivel continuar a remunerar intermediarios quando o risco de colapso total é enorme.

3 - Sem duvida alguma o principal problema portugues é o defice externo, os paliativos que aguentaram a situação durante algum tempo agora não existem, não temos recursos minerais que permitam equilibrar as transações externas, na minha opinião apenas uma aposta no sector primario, mas sobretudo secundario pode dar algum equilibrio à Balança de Pagamentos. Apesar da globalização, na minha opinião é na UE que encontramos os principais concorrentes e também mercados alternativos, temos de adaptar e equiparar os nossos processos a paises como a Polonia, Bulgaria, Romenia, Hungria,etc.. teremos de ser competitivos e concorrenciais nesses mercados e diferenciar-nos pela qualidade e rapidez de resposta talvez nesta altura possa ser a principal vantagem. Esta estrategia, garante tb uma capacidade de respostas aos produtos asiaticos e dos mercados emergentes, produzimos produtos mais caros mas com mais qualidade e com distribuição mais rapida.

(Efectuei um comentario longo de mais, pelo que tenho de o dividir em dois)