quinta-feira, dezembro 24, 2009

Controlo do défice: o Mito de Sísifo

Há dias Daniel Bessa dizia-nos que era preciso cortar, no próximo ano, 10.000.000.000,00€ à despesa pública para atingirmos os 3% de défice orçamental. Essa medida, segundo ele, é urgente face, entre outras razões, ao nosso nível de endividamento externo e à degradação do “rating” da república. Para resolver este problema, propunha que, de uma só vez, se aplicassem medidas drásticas como as que nos foram impostas pelo FMI em 83/84.

Esta proposta fez-me lembrar o Mito de Sísifo. Sísifo, uma personagem da mitologia grega, foi condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo, só para a ver rolar para baixo novamente. No fundo, é isto que Daniel Bessa nos propõe, bem como a generalidade dos economistas portugueses.

Como a economia entrou em recessão, a receita baixou. Como a receita baixou, o défice aumentou e ficou fora de controlo. Então, é preciso cortar na despesa ou aumentar os impostos. Mas, como qualquer destas medidas gera mais efeitos recessivos na economia, corre-se o risco de as receitas ainda baixarem mais. Para o ano, o número mágico passa a ser outro e, provavelmente, maior do que este. E continuamos nisto indefinidamente.

Por outro lado, a comparação com 83/84 não é completamente legítima. O pacote do FMI tinha lá outras coisas em matéria de política monetária e cambial. Isto é, embora impondo uma política de austeridade, é verdade, as medidas a este nível permitiam repor logo no curto prazo alguma da competitividade externa da economia portuguesa, enquanto restringiam, ainda, as importações. Não era só "ilusão monetária" e quebra dos salários reais. Agora não podemos incluir isso no pacote. É só austeridade pela austeridade sem fim à vista.

Existe uma solução: chama-se crescimento económico. Só que ela não é possível. Ou, pelo menos, não é possível no actual contexto internacional e com Portugal amarrado ao Euro. Os economistas como Daniel Bessa acham que não. Resolvendo-se a despesa pública o crescimento florescerá. Não nos dizem é como.

O problema acaba por ser sempre o mesmo. Não podemos continuar no euro mas também não podemos de lá sair. Agora, os economistas, quase todos, sempre acharam que nós lá devíamos entrar.

Enfim, sou um pouco mais pessimista do que Daniel Bessa. Com o instrumental “standart” de análise económica, não se consegue encontrar solução. É preciso repensar a economia nacional, nomeadamente nas suas múltiplas relações com a economia europeia e mundial, mas repensá-la, em parte, fora do quadro analítico e conceptual que nos trouxe até esta situação. Necessitamos de mais imaginação e de alguma heterodoxia em matéria de políticas económicas.

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