quarta-feira, dezembro 02, 2009

O que certa economia pensa de nós não é exactamente o mesmo que nós pensamos da economia

Li, há algum tempo, Dan Ariely (“Previsivelmente Irracional”) e descobri duas ou três coisas muito interessantes sobre o comportamento dos agentes económicos.

1. Primeiro, o nosso comportamento é mais irracional do que imaginamos. Temos é um comportamento associado a uma certa coerência arbitrária. Isto é, num dado momento da vida, optamos por uma determinada decisão de consumo e, partir daí, as próximas decisões podem passar a ser coerentes com essa primeira decisão. Consideramo-las racionais porque são coerentes com o nosso comportamento passado. Só que o primeiro elemento desta cadeia de decisão pode ter sido completamente arbitrário.

Em conclusão, consumimos porque consumimos e, muitas vezes, pagamos caro por algo não porque nos faz feliz mas, pura e simplesmente, porque estamos habituados a pagar caro. Ou, como disse Mark Twain sobre Tom Sawyer, existe uma lei importante sobre a acção humana, nomeadamente que, para fazer com que um homem cobice uma coisa, só é preciso torná-la difícil de obter.

Em poucas palavras, a oferta e a procura não são duas funções independentes. Estamos habituados a considerar que o preço que um consumidor está disposto a pagar por um bem tem que ver com a utilidade que dele retira. Aparentemente, não. A oferta está mais relacionada com a procura do que o que gostamos de admitir. O preço que pagamos pelas coisas está mais relacionado com o preço de venda recomendado pelos fabricantes, os preços publicitados, das promoções, das apresentações dos produtos, etc, etc, etc. Enfim, consumimos muitas vezes porque alguém nos desperta a cobiça e, associado a isso, nos dá um conjunto de preços de referência que tendemos a seguir.

2. Uma outra descoberta tem que ver com diferença entre as normas sociais e normas de mercado. Muito do que fazemos rege-se por normas de mercado. Mas existem muitas mais coisas que se regem por normas sociais.

O problema é quando queremos mercantilizar todo o tipo de relações e, por isso, queremos impor normas de mercado em relações que se regem por normas sociais. Por exemplo, a minha filha tem algumas responsabilidades cá em casa. E fá-las por imperativo ético (ou porque lhe posso dar um sopapo). Imaginemos que lhe começo a pagar para ela fazer as coisas que dantes tinha responsabilidade de fazer por esse imperativo. Será que ela as passaria a fazer melhor? E se quisesse voltar à normal social, ela aceitaria de bom grado? Quais seriam os resultados? Seriam melhores ou piores do que os registados antes de introduzir as normas de mercado?

Dan Ariely diz-nos o que intuitivamente já sabemos. Quando estamos a falar em âmbitos em que devem prevalecer as normas sociais, a introdução de normas de mercado prejudicam os resultados. Quando depois de introduzirmos essas normas de mercado quisermos voltar às normas sociais, os resultados são piores do que a situação de partida.

Esta análise faz-me recordar muitas das reflexões que tenho efectuado sobre o pagamento de horas extraordinárias na função pública. Quando se trabalha mais do que o horário normal, faz-se porque sabemos que existem objectivos e prazos que temos que cumprir. Se cada um falhar esses objectivos e prazos o conjunto (Divisão, Direcção de Serviços, etc) sai prejudicado. Essa consciência faz-nos trabalhar mais do que o que devemos. Se começarmos a pagar horas extraordinárias, as pessoas passam a trabalhar mais horas não por imperativo social mas por imperativo de mercado. Aí, tendem a precisar de cada vez mais horas para fazerem o mesmo. No dia em que quisermos voltar à situação anterior, os resultados passam a ser catastróficos. Enfim, um sistema sem horas extraordinárias só exige um pouco de reciprocidade. Isto é, devemos reconhecer o esforço feito e recompensá-lo na primeira ocasião, não necessariamente através de qualquer pagamento.

Em conclusão, o mercado não deve ter o exclusivo de todas as relações sociais. Antes mais, por meras razões de eficiência económica.

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