terça-feira, dezembro 01, 2009

Neoliberalismo: não basta anunciar-lhe o fim

A actual crise é, mais do que qualquer outra coisa, a crise do neoliberalismo enquanto ideologia. Quem não perceber isso e continuar a interpretar o mundo à luz dessa ideologia, vai acabar a falar sozinho como o PCP.

Primeiro que tudo, importa saber o que é esta coisa do neoliberalismo. As últimas leituras que tenho feito, forneceram-me múltiplas interpretações. Dessas, escolho um ou dois pontos que me parecem essenciais e que, a meu ver, estruturam esta ideologia neoliberal.

Antes de mais, a adopção do individualismo metodológico como forma de análise e (re)interpretação do real. No fundo, o indivíduo deixou de ser pensado como um produto social e, portanto, a sociedade, definida como o conjunto de instituições que a constituem, passou a ser o mero resultado prático de múltiplas interacções individuais. Esta visão levou a que se transpusessem para todos os domínios da vida privada e social a racionalidade individualista. Enfim, tivemos coisas como correntes à Gary Becker a explicar-nos porque carga de água decidíamos ter um certo número de filhos ou porque é que nos divorciávamos. O velho Adam Smith só demonstrava a superioridade do individualismo metodológico na análise económica e dos mercados; não era estúpido.

Acho que, quanto a isto, estamos conversados. O que permite a liberdade individual são um conjunto de normas e instituições sociais. Sem elas, e sem a sociedade no seu conjunto, não existe individuo (prefiro falar de cidadão). As interacções entre as pessoas produzem-se neste contexto.

Em termos económicas, apesar de uma retórica que opunha o mercado ao Estado, as coisas são mais complicadas. O neoliberalismo teve duas facetas. Uma delas foi a de levar o mercado para a provisão privada de bens e serviços públicos. Alargou-se o mercado e, em especial, alargou-se o leque de actividades que continuavam a permitir o processo de acumulação capitalista. Não se queria, contrariamente ao que se diz, um Estado fraco. Queria-se um Estado fraco na provisão pública de bens e serviços; mas queria-se um Estado forte que permitisse legitimar social e politicamente esta privatização das suas funções sociais. A favor da minha tese está o facto, por exemplo, de a despesa pública não ter diminuído nos países da OCDE. Passou foi a ter contornos diferentes.

A outra, foi a financeirização da economia, isto é, a apologia da supremacia da actividade financeira em relação a todas as outras. Mas essa financeirização não foi mais que um processo de alavancagem das economias ocidentais que permitiu manter elevados níveis de consumo sem contrapartidas no que respeita à produção de bens e serviços. A alavancagem gerou mais recursos que foram canalizados para países de mão-de-obra barata que passaram a produzir o que consumíamos. Com as poupanças geradas, esses países investiam nos activos financeiros dos países ocidentais, auto-alimentado, por esta via, todo o processo.

Mas não basta dizer mal de uma coisa, o neoliberalismo, para essa coisa deixar de ter sentido. A questão é outra. A questão é a de se saber quais foram as condições económicas, sociais e políticas que permitiram que essa coisa aparecesse e se transformasse numa ideologia dominante durante cerca de 30 anos.

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