domingo, novembro 26, 2006

O sentido da urgência

Leio num livro que “o sentido da urgência deve fazer parte da cultura de toda a organização. É o elemento que deve diferenciar a empresas privada de uma qualquer repartição pública (com honrosas excepções)". Trata-se de um frase que diz coisas extremamente importantes e, paralelamente, um chorrilho de disparates e preconceitos.

De facto, não posso estar mais de acordo que a existência de um certo “sentido de urgência” é quase um sinal vital de uma instituição. Quando ele deixa de existir, essa instituição está moribunda. Do ponto de vista de quem vende bens ou presta serviços, se existem compromissos em matéria de prazos esses têm que ser religiosamente cumpridos. Quando uma entidade é complacente aí, nos tempos que correm, então está tudo perdido.

O "sentido da urgência "também é um sinal de bom planeamento. Quer dizer que se está a trabalhar no limite da capacidade instalada. A pressão para se cumprirem prazos de entrega de bens ou na prestação de serviços revela que os recursos estão a ser mobilizados eficientemente. Só assim é que uma instituição pode crescer de forma sustentada.

Por outro lado, e esta é a minha opinião, quando uma pessoa trabalha no limite das suas capacidades, dentro de certas condições que salvaguardem a sua saúde e qualidade de vida , mobiliza o melhor de si próprio em cada instante para fazer o que faz. Mas, aqui, sou eu a olhar para mim mesmo, não posso, nem devo, generalizar.

A questão é que este “sentido de urgência”, na prática, pode ser mais fictício do que real. Isto é, a urgência permanente pode só querer dizer mau planeamento e má afectação de recursos. Falando da administração pública, que é o que conheço melhor, com frequência quer dizer voluntarismo inconsequente dos dirigentes e políticos, resultante de, nem sempre, conhecerem suficientemente o “processo produtivo” que têm por missão organizar e gerir . Como distinguir, então, o “bom” do “mau sentido de urgência”? Provavelmente, nem sempre é possível fazer essa distinção.

Mesmo assim, na dúvida, eu prefiro trabalhar numa instituição que, por boas ou más razões, mantenha esse "sentido da urgência". Se for por boas razões, tanto melhor. Se for por más razões, mantém-se sempre uma capacidade de resposta que, mais tarde ou mais cedo, será sempre necessário (um dia virá sempre alguém competente gerir a organização). A alternativa também não existe. A falta de "sentido da urgência" quer dizer que nós somos dispensáveis e, muito possivelmente, a organização, como um todo, também o é.

Quanto ao “sentido de urgência” como factor de diferenciação entre o público e o privado, só revela preconceito (que, como sempre, resulta da ignorância). Já cansa de explicar às pessoas as diferenças entre “bens públicos” e “bens e serviços oferecidos pelo sector público”, entre “interesse público” e “interesse do(s) público(s)” (raramente se consegue explicar a quem trabalha no privado que a nossa orientação para os "clientes" se faz de forma diversa da deles; se um "cliente" vem solicitar uma licença de construção numa zona interdita, por ser, por exemplo, Reserva Agrícola ou Ecológica, a resposta de um serviços só pode ser, em nome do interesse público, negativa; mesmo que a resposta seja muito expedita e clara a possibilidade de esse "cliente" não ficar a dizer muito bem do serviço é enorme), etc.

Existe, depois, um pormenor que me encanta sempre nestas frases: diz-se sempre que existem "honrosas excepções". Deste modo, quando se identifica uma determinada entidade pública como tendo elevados níveis de eficiência, esta fica, sempre, enquadrada na quota das “honrosas excepções” e, portanto, a lei geral, que diz que a administração pública é ineficiente, continua a manter-se. Esta quota de "honrosas excepções", normalmente, é preenchida pelos organismos onde trabalham os nossos amigos e todos aqueles que vão lá jantar a casa.

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